Quarta feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum. Estamos concluindo a primeira semana do mês das vocações. Por falar em vocação, ontem nos lembramos de uma pessoa importante para a história da Igreja. No dia 6 de agosto de 1978, o Papa Paulo VI, realizava em Roma, a sua Páscoa, rumo à “Cidade Definitiva”, aos 81 anos. Eleito Papa no dia 21 de junho de 1963, em substituição ao Papa João XXIII, o Sumo Pontífice exerceu por 15 anos o seu pontificado, sendo o responsável por levar adiante as conclusões, decisões e deliberações do Concílio Vaticano II (1962-1965). Uma das frases ditas por ele motivou-me ao longo de minha caminhada presbiteral: “A política baseada na justiça e na ética é a mais perfeita forma de amor evangélico”.

Seguindo na toada vocacional, nós aqui da Prelazia de São Félix do Araguaia, estamos vivenciando a “Quarta Semana Pedro Casaldáliga”. Estamos na véspera da data de sua passagem, que ocorreu no dia 08 de agosto de 2020. Aproveitei deste momento, para salmodiar o dia, acordando o sol ao lado de Pedro no seu jazigo, descanando seu franzino corpo. A impressão que dava, era a de que toda a natureza ali em volta, parou para reverenciar o profeta. Desde os pássaros que cantarolavam nas árvores, as flores que forravam o chão, as águas do Araguaia ao som de seus banzeiros, até o Sol despontando de dentro da Ilha do Bananal, formavam um cenário espetacular, de fazer inveja às lentes do fotografo Sebastião Salgado.

Terminei a minha manhã de prece orante, invocando a “Divina Ruah”, através de um dos versos desta belíssima composição (Ruah, Vento de Deus), feita pelo bispo Pedro, em parceria com o Padre Verbita Cirineu Kuhn, svd, com quem tive o privilégio de dividir os anos de estudos na Teologia: “Joga-me contra a injustiça em furacão de verdade. Deita-me encima dos mortos, boca profeta a chamá-los… Sopra-me, sopra-me, Sopra-me, Sopro fecundo”. Curiosamente, lembrei-me, que o profeta do Araguaia, só não foi expulso do Brasil pelos militares, por causa da intervenção do Papa Paulo VI que dissera à época: “Se mexerem com Dom Pedro Casaldáliga e a Prelazia de São Félix, estarão mexendo com o Vaticano e o Papa”.

Em tempo de vocação, lembramo-nos da vocação de Jesus: “Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15,24) É assim que o texto do evangelista Mateus define o chamado de Jesus, como Verbo Encarnado em nossa realidade humana. Os últimos são os destinatários primeiros da vocação de Jesus, assumindo a condição humana. Na condição divina assume a condição de servo, não diminuindo por vir ao mundo. Ele entrou na realidade humana, de modo que teve que assumir a condição de pessoa humana, de servo, igual ao ser humano em tudo menos o pecado (cf. Hb 4,15) Como Filho, Jesus se empenha para sempre, com toda a sua pessoa, na súplica e no sacrifício. Sua Paixão é vista aqui como a mais solene prece de intercessão e o mais sublime ato de obediência ao Pai em favor da humanidade.

Na cena transcrita por Mateus no dia de hoje, uma mulher cananeia, vai até Jesus, suplicando que este intercedesse por sua filha: “Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio!” (Mt 15,22) Importante salientar que Tiro e Sidonia eram cidades estrangeiras. Não pertenciam a Israel e não professavam a fé no Deus de Israel. Cidades pagãs, portanto. Ficavam a norte da Galileia, à beira mar, na direção oposta à de Jerusalém. Na concepção de Jesus, o que faltava a Tiro e Sidônia não era propriamente fé, mas o desejo de crer na revelação de Deus na pessoa do Filho. Ou seja, falta a Tiro e Sidônia o acesso à revelação de Deus e de seu Reino que Jesus veio trazer.

Uma mulher cananeia, pagã ou gentia de nascimento, fazendo uma das maiores revelações de fé já vistas em todo o Novo Testamento. Os cananeus gozavam de um descrédito particular entre os judeus. Talvez ai resida o fato, de ela receber a reprimenda dos discípulos, que queriam afastá-la de Jesus. Todavia, sua fé no poder de Jesus de Nazaré e seu amor por sua filha a impeliram a implorar ajuda ao Salvador. Uma mulher pagã reconhece que Jesus não é só uma personalidade moral e religiosa, mas alguém que realiza um projeto concreto: constituir o povo de Deus na história. Esse reconhecimento faz que ela participe, com sua filha, desse projeto. Não são os atos de purificação ou as crenças particulares que engajam alguém no povo de Deus, mas o fato de acreditar que Jesus é o guia desse povo. A relação de Jesus com a cananeia hoje, me fez lembrar de uma das frases ditas pelo frade biblista da Ordem dos Servos de Maria, Alberto Maggi: “Quanto mais o homem se espiritualiza, mais se afasta de um Deus que se fez carne, se fez profundamente humano… quanto mais humanos somos, mais o divino dentro de nós se manifesta”.