Muito curiosa esta justaposição que traz algo de dialético ou de completude.
Importamo-nos ir além da caracterização de um e de outro. Estar mais próximos da fidelidade do movimento de Jesus dos inícios, diante do judaísmo que se maculou com o autoritário e dominador império de Roma e se sujou com a dicotomia hegemônica da Filosofia grega ao falar da realidade: corpo e alma, ser e não ser, templo e tenda, profecia e monarquia.
Às personagens da história bíblica, de fundo semita, agregaram-se outras culturas, inclusive não helenistas, que nos ajudam a pensar nas Igrejas de hoje e de épocas passadas. Será que as diferenças entre elas estão diametralmente opostas? Talvez se as descrevêssemos de forma caricatural.
Não usaremos esse expediente para provocar ressentimentos, frustrações, mas maior aproximação da proposta de Jesus com sua Vida, Morte e Ressurreição, que nos trouxe a Redenção com o apelo de participação para prosseguir, tirando o pecado do mundo.
Que tal se eu afirmar que Jesus fez mais sintonia com Abraão do que com Salomão?
Salomão está mais para o império romano, mas Jesus está mais para o paradigma da universalidade de Abraão, portanto, semita. Enquanto a universalidade de Roma está para a dominação e submissão dos povos, a universalidade de Abraão está mais para a inclusão sem dominação, para uma incontável multidão de matrizes culturais, tal como as areias do mar ou as folhas da floresta que evidenciam formas, tamanhos e coloração diferentes, desde a mesma árvore, espécies ou florestas ou não, sem a imposição do consenso.
As Igrejas salomônicas são suntuosas, trancafiaram o poder de Deus aos seus juízos, declarações como donos, selecionam os bons dos maus, pregam mais o temor de Deus do que a sua misericórdia, imaginam aplacar a ira de Deus, anunciam mais moralmente, creem, infantilmente no inferno e nos demônios.
As Igrejas abraâmicas, entretanto, abrem-se e nunca se fecham. Não vendem ilusões, não prendem , nem marcam os seguidores de Jesus como fiéis e infiéis, discutem os problemas da vida e não se perdem em especulações teóricas ou sem o chão da vida dos pobres.
Ensaiemos uma análise com esses parâmetros acima, sobre a prática pastoral das paróquias aqui entendidas como áreas de vizinhança, correspondendo a territorialização da Igreja Católica (conceito basico grego de paróquia).
Nas minhas andanças, deparei-me com uma paróquia que me deu a conhecê-la como sendo de jeito abraâmico, e com escassez de posturas salomônicas.
É assim que descrevo o pastoreio originário de fervor abraâmico.
Chamo atenção para três pontos apenas.
1. As palavras, ações sociais e promocionais se dirigem a todos. Nas celebrações e pregações, os gestos e falas não se concentram sobre dogmas confessionais e não lamentam se os católicos estão se bandeando para outras denominações cristãs, nem moralizam sobre a ambiguidade dos “bons costumes”, não insistem sobre os pecados pessoais e nem sentem que o mundo está perdido. Sabem que o pecado estrutural é o vilão da liberdade e o ópio da injustiça que anestesia as dores da iniquidade com a indiferença.
Mas, propõem a palavra de Jesus no contexto exegético mais próximo do pretexto do momento em que foi escrito ou reescrito.
2. O templo principal se torna espaço de acolhimento de uma rede de comunidades e, lá acontecem atividades de fortalecimento dos núcleos de fé e de vida. Existe uma simetria de oportunidades entre o centro e a periferia paroquial ou existencial. As comunidades ou capelas se tornam, também, um tipo de central de círculos bíblicos de base ou “grupos de Jesus”, como chama Pagola (Voltar a Jesus – Para renovação das paróquias e comunidades, Ed. Vozes, 2015).
3. Culto, trabalho, educação e saúde navegam juntos de forma integrada como campo de ação do laicato cristão, ao mesmo tempo sacerdotal, profético e real, fundamentado no batismo e alimentado na Eucaristia, como gratidão da mesa. Comensalidade como multiplicação onde mais gente tem pão para viver, mais vida para partilhar, mais sabedoria para transformar a realidade e mais graça de Deus para construir o mundo, de acordo com o projeto de Jesus, em obediência ao Pai.
Essas distâncias da vida pastoral cristã abraâmica ou salomônica nos dão o discernimento de qual modelo de Igreja podemos fortalecer como sinal de fidelidade a Jesus e à tradição apostólica dos primeiros séculos, em diálogo com os apelos dos pequenos do Reino.
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