Segunda feira da Primeira Semana do Advento. A semana iniciando e nos levando para dentro do décimo segundo mês do ano. No tempo que se faz “Chronos”, 2023 caminha para o seu ocaso, marcando o tempo de Deus, “Kairós”. Chronos é o senhor do tempo, enquanto Kairós representa o tempo que não pode ser controlado. Na perspectiva dos gregos antigos, o primeiro significava o tempo cronológico, enquanto o segundo se referia à qualidade do tempo vivido, algo que não pode ser medido através de números, o tempo de Deus. O tempo cronológico que vivemos agora é especial e de grande expectativa. Tempo de espera e preparação para Aquele que virá.
Dezembro chegou trazendo-nos a chuva em maior abundância, felizmente! Tivemos ontem uma tarde de domingo atípica, bastante escura, com a chuva caindo em profusão. O véu do tempo se rasgou e a água caiu com gosto, como dizem por aqui. O calor se despediu de nós temporariamente, deixando-nos um cheiro de terra molhada e uma brisa fresca. Uma noite boa para dormir, permitindo-nos embalar nos “braços de Morfeu”, o deus do sono, filho de Hipnos, segundo os estudos da mitologia grega. Como diz o salmista, o Senhor nos sustenta, não apenas quando estamos acordados, mas também quando estamos dormindo: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro”. (Sl 4,9).
Esta passagem bíblica me faz recordar de um episódio ocorrido com o nosso bispo Pedro. O seu deslocamento, saindo ou chegando a São Félix do Araguaia, era sempre feito de ônibus. Naquela época em que eles não eram tão confortáveis como os de hoje. Como temos ainda um bom trecho de estrada de chão, chacoalhamos pra valer, quando estamos trafegando pelas nossas estradas daqui. Numa destas ocasiões, alguém perguntou a Pedro, como ele conseguia dormir? “talvez por causa da consciência tranquila”, prontamente respondeu Pedro. Consciência de quem se entrega nos braços do Pai. Consciência de quem sabe o que quer e vale mais do que qualquer defesa.
O clima melancólico desta manhã permitiu-me colocar em sintonia com os saudosos amigos distantes, favorecendo a minha oração diária. Uma busca na tentativa de fazer a experiência mais profunda de fé, em sintonia com as causas da vida. Como Jesus que no dia de hoje, o texto de Mateus o situa entrando em Cafarnaum. Uma pequena cidade, localizada na margem norte do Mar da Galileia, onde Jesus fez dela o centro de seu ministério (Mt. 9,1-2; Mc, 2,1-5). Esta cidade foi um importante e próspero centro de pesca e comércio, onde moravam tanto gentios quanto judeus. Tudo indica que, por volta dos 30 anos de idade, Jesus deu início a sua vida pública (Lc 3,23). Depois de ter sido rejeitado em Nazaré (Lc 4,29-31), Ele passou a se fixar em Cafarnaum (Mt 4,13). A cidade foi um ponto estratégico para o seu ministério, pois dali era possível transitar, a pé ou de barco, por toda a Galileia e seus arredores.
Os destinatários primeiros do projeto messiânico de Jesus foram todos os rejeitados, pobres e marginalizados. Aos pagãos de todos os tempos foi anunciado uma boa nova: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz”. (Is 9,1). A luz de Jesus não conhece fronteiras. As fronteiras do Reino vão para além dos marcos estabelecidos entre o bem e o mal. A pregação de Jesus revela que o Reino de Deus está sempre próximo de quem se abre generosamente a Ele. Essa proximidade coloca-nos diante de uma exigência amorosa: a conversão. Esta conversão é sempre o primeiro momento de um grande chamado. O Senhor não só ilumina as nossas trevas, mas chama-nos para o serviço do Reino para além-fronteiras, existenciais e geográficas.
Quem está dialogando com Jesus no dia de hoje é um pagão: um oficial romano. Na terra dos pagãos, Jesus vai até um deles e se abre a ele que lhe pede: “Senhor, o meu empregado está de cama, lá em casa, sofrendo terrivelmente com uma paralisia”. (Mt 8,6). Atendendo ao pedido de um pagão, Jesus mostra que as fronteiras do Reino vão muito além do mundo estreito da pertença a uma origem privilegiada. A fronteira agora é a fé na palavra libertadora e transformadora de Jesus. Mesmo pertencendo ao grupo dos que se consideram salvos, se não houver essa fé, também não haverá possibilidade de entrar e fazer parte do Reino de Deus.
A fé segura e consistente de um homem pagão comove Jesus: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. (Mt 8,8) Uma frase forte e de profundo significado, fez com que Jesus curasse o empregado daquele oficial pagão. Também a Igreja apropriou desta passagem bíblica, colocando este trecho no Rito da Comunhão da nossa Celebração Eucarística: “Senhor, eu não sou digno/a de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo/a”. Como o oficial romano, também somos convidados a abrir-nos a uma fé que acredita no poder transformador da Palavra de Jesus, que liberta e salva.
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