Oitavo Domingo do Tempo Comum. O mês de março dando os seus primeiros passos. São Pedro, que não está nem aí para os foliões mais afoitos, resolveu iniciar a manhã de domingo derramando sua chuva sobre nossas casas. O calor do carnaval, se transformando numa brisa suave de chuva mansa caindo sobre nossas cabeças. Eu que queria começar o domingo ao lado do profeta, fui demovido da ideia, e me contentei rezando na companhia das poucas aves que aventuraram deixar os seus aconchegos mais cedo, molhando suas plumagens na chuva. Quem gostou mesmo deste banho matinal, foram as árvores que podei no dia de ontem. Agradecidas que são, ainda que arranquemos seus frutos e cortamos os seus galhos, elas mostram a sua força, sua resistência, ressurgindo ainda mais belas e viçosas.

Não é sempre que o caminho pela vida afora se faz tranquilo, sereno. Mesmo para aqueles que têm fé. Ter fé, não significa que encontraremos moleza no percurso que teremos que desenvolver. Todavia, a fé nos assegura de que não estamos sós, frente aos desafios e dificuldades. Cabe, portanto, desenvolver em nós a capacidade do discernimento consciente, para encontrar o rumo certo do caminho a seguir. Tal tarefa não é de todo fácil, sobretudo no momento em que surgem os tais “influenciadores”. Alguns deles, influenciando rumo ao desconhecido penhasco da “terra de ninguém”. O próprio nome “influenciador”, não me parece algo muito proveitoso, talvez encaixando-se naquilo que Jesus no texto de Lucas deste domingo está nos alertando: “guias cegos”, ou seria, “influenciadores cegos?”. São dignos de confiança pelo menos?

A liturgia deste Oitavo Domingo do Tempo Comum (já chegando bem próximo da quaresma), nos reservou uma parte do “Sermão da Planície”, que o evangelista São Lucas narra como um dos fortes ensinamentos de Jesus a seus discípulos. Lembrando que este sermão traz um longo conteúdo, direcionado especificamente ao discipulado que está, de certa maneira, interessado em conhecer o projeto de amor do Reino anunciado por Jesus. Apesar de ter como foco principal os discípulos, pedagogicamente Jesus direciona também à grande multidão que o seguia, constituída por pessoas oriundas de “toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon”. (Lc 6,17) O alerta principal de Jesus para os seus discípulos está relacionado aos que Ele chama de “guias cegos”, para que eles tomassem muito cuidado com aquela gente.

O texto de hoje pertence à parte final do “sermão da planície” (Lc 6,39-45). Jesus, ao dirigir-se aos seus interlocutores, apresenta um conjunto de sentenças, um conjunto de “ditos”, sem uma conexão entre ambos, mas com o objetivo de levar os ouvintes daquelas “sentenças”, a repensar a sua conduta de fé diante daquilo que lhes estava sendo falado pelo Mestre Galileu. Este mesmo texto aparece também, de forma semelhante, no Evangelho de Mateus (cf. Mt 5,1-7,29). A diferença fundamental entre ambos os textos, é que Mateus situa este discurso de Jesus numa montanha e não na planície como é o caso de Lucas.

Entre as várias sentenças ditas por Jesus à multidão e aos discípulos, está o objetivo primeiro do Nazareno: deixar os discípulos espertos quanto à presença nociva dos “guias cegos” na vida deles. Naquele contexto sócio-histórico-religioso, estes personagens da vida real, eram arrogantes, prepotentes, sedentos de poder e protagonismo, demonstrando claramente que seus interesses estavam nos seus projetos pessoais e não no bem coletivo dos seus irmãos e irmãs na comunidade (sociedade). Ao contrário de Jesus e o plano de Deus, os caminhos que eles apontam não levam à vida plena. Desta forma, ao ficarem atentos e vigilantes, os discípulos saberão perceber e conhecer esses “falsos mestres” pelas suas ações e pelas suas palavras, que acabam por revelar os interesses inconfessáveis que escondem no coração. Resumindo: se as propostas que eles apresentam não estão em sintonia com as propostas de Jesus, esses “guias cegos” não devem ser escutados, muito menos serem seguidos.

“Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos.” (Lc 6, 44) Está é a síntese que podemos chegar ao ler e refletir de forma orante este texto de hoje. Somos árvores plantadas por Deus no jardim da vida. Todos e todas produzimos os frutos ao longo de nossa caminhada pela vida. Uns mais doces e outros mais amargos, dificultando assim as nossas relações interpessoais. Da mesma forma que conhecemos os frutos que as árvores produzem, somos também reconhecidos pelos frutos que a nossa árvore vai produzindo na sociedade, já que somos distinguidos pelas nossas ações e até pelas nossas omissões. É hora de pensar, portanto, que tipos de frutos estamos produzindo? Eles confortam, saciam a fome e a sede dos que mais necessitam de serem cuidados? Nossos frutos agregam ou dispersam mais ainda, quando se tem em vista a perspectiva de construção do Reino no meio de nós? Enfim, que tipo de árvore somos nós mesmo? Que os nossos frutos sejam verdadeiros, seguindo na mesma lógica do filósofo iluminista francês Voltaire (1694-1778): “As verdades são frutos que apenas devem ser colhidos quando bem maduros.