O Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 153, afirma: “A fé é uma graça, um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele”. Ter fé implica uma atitude contrária à dúvida e está intimamente ligada à confiança. … É possível nutrir fé em relação a uma pessoa, um objeto inanimado, uma ideologia, um pensamento filosófico, um sistema qualquer, um conjunto de regras, uma base de propostas ou dogmas de uma determinada religião.
Mas ter fé em Deus é fundamentalmente diferente. Está além de acreditar na sua existência e na sua onisciência. Está baseada no amor. O amor é o que realmente importa em nossa relação com Deus e é a única forma de nos aproximarmos Dele, então, a fé no Deus de Jesus difere de outras formas de “fé” de tantas religiões: ter fé num Deus Trino é um subproduto do amor. E nisso consiste a diferença: O amor é uma condição para que exista a fé em Jesus Cristo. A fé vem por consequência de um amor experienciado. Uma fé não provinda do amor é uma fé perigosa e fanática. O amor é origem e critério da fé em Jesus Cristo. A fé é a percepção de ter sido tocado de alguma forma por Deus e por isso produz frutos que são as características do homem Jesus: caridade, perdão, misericórdia…. são todas características que sobrevêm ao amor.
Mas por que começar uma reflexão sobre “ex-seminaristas” com essa definição de fé e de amor?
Porque a maioria, e me permito avançar e dizer, todos os seminaristas, padres, monges e leigos, em determinados momentos da vida são atingidos por aquilo que costumamos chamar de “crise de fé”. A fé tem uma inimiga declarada: a dúvida. A dúvida gera conflito, incerteza, hesitação. Dolorida e misteriosa, a crise de fé surge em determinados momentos e em geral vem acompanhada de remorsos. Remorsos e até medo. Afinal, crise de fé, num primeiro momento pode significar que se perdeu a crença em Deus. Se assim fosse, uma crise de fé deixaria a pessoa em situação de pecado mortal frente a Deus. E muitas, (tantas) vezes perde-se com isso a oportunidade e deixa-se a reflexão desse momento de lado pelo medo de cair em pecado.
Mas crise de fé é parte de toda caminhada humana e nem sempre significa pecar. Não significa deixar de amar a Deus ou de se sentir amado. “A fé pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos, muitas vezes, parece estar bem longe daquilo que a fé nos assegura; as experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem contradizer a Boa Nova; podem abalar a fé e tornar-se para ela uma tentação” (CIC número 165). Faz parte da caminhada humana e surge em momentos em que nos defrontamos com o mistério de Deus. Com um mundo nos colocando em situações que parecem negar o amor de Deus e sua presença na vida das pessoas e negando repostas que não vêm no tempo que esperamos. Com um aparente silêncio de Deus e uma sensação de abandono que não entendemos, uma crise de fé começa quando nos parece que Deus não nos preenche. Quando essa crise acha raiz em nossa vida interior, ela produz medo, uma sensação de escassez e pânico. Mas isso é humano! Não significa que deixamos de amá-lo.
Jesus ao assumir a totalidade da humanidade, quis experienciar todas as situações e momentos humanos, até o momento mais trágico que o homem enfrenta: o momento em que Ele, homem, em seu sofrimento maior, se sente desprovido e abandoando por Deus. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes” … neste momento de desespero total, Jesus não chama seu Deus de “Pai”, mas o chama de “Deus”. Com o mesmo nome que nós o chamamos e clamamos. Crise de fé nem sempre é pecado, no sentido em que “pecado” é algo que nos afasta de Deus, porque, em muitos momentos, o amor maior a Deus grita mais alto e pode elevar a dúvida humana a Ele, inclusive um protesto. Um protesto humano de alguém que ama e espera na sua pequenez porque não entende e nem sabe esperar o “tempo” de Deus;
Por outro lado, com o prefixo de “ex” denominamos alguém que deixou de ser. Um “ex” pode ser aquele que se arrependeu de um caminho iniciado e volta atrás. Pode ser alguém que foi julgado incapaz de traçar uma caminhada de sacerdote e foi dispensado pelo formador. Mas um “ex”, vindo de alguém que escolheu Deus por amor, pode ser alguém que Deus o escolheu para outra missão e não aquela.
Antes de entender a vontade de Deus, precisamos buscá-Lo
A Bíblia nos diz: “Não se preocupe com nada; em vez disso, ore sobre tudo. Diga a Deus o que você precisa e agradeça a Ele por tudo o que Ele fez” (Filipenses 4: 6). A vontade de Deus se manifesta por meio de diversas circunstâncias da vida – muitas vezes inevitáveis – inclusive na dúvida sobre o trilhar de nosso caminho, ou nossas escolhas. O que a torna ainda mais dura de acolher porque não há nada mais imprevisível e misterioso que as certezas em que vivemos e muitas vezes nos dificultam a nova tomada de rumos. Como ouvir e interpretar então a vontade Dele?
Em primeiro lugar, calando a nossa própria vontade.
Ninguém é capaz de comunicar o que não vivenciou ou viu, ou o que seu pensamento não consegue alcançar apenas com coisas que tem dentro de si. Se o que o homem expressa não vem de sua experiência, então provém de sua imaginação ou doutrina. No silêncio de momentos de paz e oração é que experimentamos Deus. Quando queremos expressar algo de Deus, devemos viver essa experiência com ELE. Afinal, o homem expressa o que ele é. “Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei.” (Jo 6,37)
Nas crises de fé é quando deve-se ficar feliz, pois o momento da dúvida da escolha e da renúncia veio precedido desse pedido a Deus: “que faço meu Senhor… Que faço? É o verdadeiro ato de fé. E são nesses momentos que se necessita daquela frase que Jesus nos ensinou no “Pai nosso” e provavelmente aprendeu de Sua mãe: “seja feita a Sua vontade e não a minha!” (Lc 22). Santo Afonso Ligório já dizia: “Devemos rezar para saber o que Deus quer de nós e lhe pedir sua ajuda para cumprir a Sua vontade”.
Servir a Deus como padre não é tarefa fácil. Mas viver também não o é pois ,em toda nossa caminhada nos são exigidas renúncias e decisões. Essa é a oração do seminarista em crise de fé. Aliás, essa e´ a oração de qualquer homem a cada dia: seja feita em mim hoje, a Tua vontade, meu Deus!
Em algum momento de minha juventude, eu também quis ser padre. Quis e amei seguir meu Deus na Sua Igreja e servi-Lo. Lembro-me bem quando criança, que gostava de brincar com um biscoito Maria, imitando os gestos do padre na missa quando consagrava, mesmo que nessa pequena idade não tivesse a mínima noção do que acontecia naquele altar.
O amor a Deus nos leva a buscá-Lo e a querer seguir Seu chamado. Meu sonho de jovem, e acredito que de muitos, foi o sacerdócio. Mas a Igreja é bem criteriosa nesse sentido. A formação de um sacerdote exige anos e anos de preparação: propedêutico, noviciado, faculdade de filosofia, de teologia, estágios pastorais, viagens, retiros, orações diárias… tudo isso sempre acompanhado de longos períodos de estudo e meditação. Diretores espirituais que acompanham a caminhada e aconselham nos momentos de dúvida e de crise de fé e ajudam no discernimento. Formadores que disciplinam a vida nos seminários. Seminários que nos retiram da vida familiar para ir fazendo a experiência da solidão, de não ter uma família, de ter a sua vida toda dedicada à oração e ao serviço ao próximo. Não é um caminho fácil. Muitas vezes me questionam o porquê de a Igreja colocar tantos entraves e empecilhos na formação de sacerdotes, se já é tão difícil nos dias atuais um jovem optar pelo abandono dos aparentes prazeres do mundo para se fechar em seminários e em celibatos, cada vez mais difíceis de seguir, frente aos apelos do mundo. Mas na verdade esses entraves são propositais. São anos onde a Igreja permite ao jovem discernir se é mesmo esse caminho que ele deseja seguir. Um caminho cheio de renúncias e que exige coragem e perseverança. Atitudes que não são garantia nenhuma de sucesso e nem de certezas.
O “sim” de um padre, dentro de todas as suas dificuldades, talvez seja mais fácil que o “não” de um “ex”, que em determinado momento de sua caminhada decide por outro caminho. É justamente nesse momento que a presença de Deus no abandono total da oração faz a diferença. Essa, como toda difícil decisão da vida, deve ser uma reposta à oração e meditação feita a um Deus amoroso e presente. Em Romanos 12:2, Paulo nos diz: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” O mesmo amor que fez o jovem buscá-Lo num seminário te responde com um novo convite de caminhada. É uma reposta de amor de Deus, agradecido por tua disponibilidade de entrega e de serviço. Ele colocará Sua vontade no coração do homem que Dele se aproxima, recoloca-o no caminho que Ele, em Seu infinito amor, preparou. O importante da escolha é seguir a sua missão. É fazer convergir em Cristo toda a sua vida! “E nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos.” (Efésios 1:9-10).
Nesse sentido, a fé é entendida como respeito a uma decisão, tomada com a aprovação de Deus. “A fé que tu tens, guarda-a para ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova.” (Rm 14:22). Pois se a dúvida foi embora levando consigo todo o medo, todo receio, toda insegurança, e a certeza invadiu o coração do homem, Deus está nisso.
O que importa é viver sempre imerso no amor a Deus
Foi isso que aconteceu comigo. Um dia, há muitos anos , eu disse “não”; Mas não disse “não” a Deus. Eu disse não a uma carreira que achava ser a minha escolha para servir a Deus. Mas não era a Dele. Foi, como disse antes, um momento muito difícil. Recheado de dúvidas, de remorsos, de culpa. Mas a oração e os exercícios espirituais de Santo Inácio me ajudaram a discernir corretamente e a “ouvir” a Sua vontade. Queria ser sacerdote, mas também queria ter uma família e casar. Como saber minha verdadeira vocação se não EM Deus? Como não me arrepender dessa decisão anos depois? A oração me fez perceber que não foi um “não”, mas foi um “sim” a Sua vontade.
Hoje, passados quase 40 anos dessa difícil decisão, caminhando cheio de amor pela vida que Deus me deu, olho para trás , vejo-O em minha decisão e quanto aprendi com aquele momento!
“Deleita-te também no Senhor, e ele te concederá o que deseja o teu coração” Salmos 37:4.
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