Quinta feira santa.
Seguimos na nossa caminhada martirial rumo ao encontro com a vida plena da encarnação do Verbo em nossa realidade humana. Preparando-nos para o encontro definitivo na intimidade com Deus que se revela na pessoa do Filho. Neste dia, damos início a celebração do “Tríduo Pascal”: a Páscoa da Ceia (instituição da Eucaristia, do sacerdócio ministerial e do mandamento supremo do amor); na sexta celebramos a Páscoa do martírio da Cruz; no sábado a vigília pascal da esperada confiante da Ressurreição e no domingo celebramos o grande acontecimento da Páscoa de Jesus Ressuscitado, a vitória da vida sobre a morte. A última palavra é a de Deus: a vida triunfou. Jesus Ressuscitou!
A liturgia desta quinta feira é rica de detalhes e significados. Diferentemente dos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), o evangelista São João, não narra a instituição da Eucaristia. No seu lugar, ele apenas descreve o cerimonial de Jesus lavando os pés de seus discípulos e discípulas. Num gesto de quem está sempre pronto a servir, Jesus se despe do manto e, de avental, se põe a lavar os pés dos seus: “levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido. (Jo 13,4-5) Atitude de despojamento total, mostrando a todos que o serviço aos irmãos é a condição fundamental daquele que se coloca na mesma estrada com o Mestre Galileu.
Jesus que se esvazia de si mesmo e assume a condição de servo, aquele que dá a vida. Com esta sua “Kénosis”, que é o ato de esvaziamento total de si mesmo, sem perder a sua própria essência e identidade, para se fazer abertura ao outro e se encontrar na pessoa deste outro. A palavra kénosis tem a sua origem grega “kenoo” e significa principalmente “esvaziar” ou “tornar vazio”. Este esvaziar de Jesus ficou muito claro no texto escrito por São Paulo na sua Carta aos Filipenses quando ele diz: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz” (Fil 2,5-8).
Quinta feira da instituição da Eucaristia. Celebrando a última ceia com os seus, Jesus nos mostra qual deve ser a atitude de seus seguidores: estarem prontos a servir sempre. A vida cristã se resume na atitude concreta de quem está disposto ao serviço. A última ceia que se transforma numa Ceia Eucarística. Eucaristia é isto, Jesus que se dá como alimento: Corpo e sangue doados como alimento para o fortalecimento da caminhada daqueles e aquelas que o seguem. Eucaristia que se faz memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, como quem se deu totalmente a si pelas causas do Reino. Memorial que não é somente a lembrança dos acontecimentos do passado, mas antes, a proclamação das maravilhas que Deus fez na história humana. Ao celebrarmos a Eucaristia, fazemos a memória da Páscoa de Jesus, o Cristo, trazendo presente entre nós o sacrifício que Ele ofereceu na cruz uma vez por todas.
A referência maior para o cristão é a cruz de Jesus. Fazer a experiência da intimidade com Deus sem passar pela Cruz do Ressuscitado não faz sentido algum. Cruz que marca a vida de quem segue a Jesus. A instituição de Eucaristia vem acompanhada do sacerdócio ministerial, e do mandamento maior do amor incondicional. Amor sem limites como Ele que: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. (Jo 12,1) Tem razão o nosso Papa Francisco quando afirma na celebração do crisma deste ano em Roma: “Sem a cruz, o sacerdote é um pagão clericalizado”. Não uma cruz pendurada no peito, mas estampada no coração como a cruz de Jesus e dos crucificados da história.
Cruz que nos faz pensar na nossa caminhada eclesial e nos perguntar: estamos prontos a vivenciar com todas as letras a proposta de Jesus de amar até o fim? As nossas celebrações cotidianas reforçam esta mesma atitude de Jesus, que esvaziou de si mesmo se fazendo servo? Ou, ao contrário, aproveitamos das nossas celebrações para um desfilar de egos, a começar de nossos celebrantes, como fez certo epíscopo, no Domingo de Ramos, preocupado mais que estava com as suas vestes triunfais, chamando sobre si os olhares mais do que para a pessoa de Jesus Rei-Messias? Ao se dar por inteiro, Jesus nos ensina que a autoridade só pode ser entendida como função de serviço às pessoas. Na comunidade cristã existe diferença de funções, mas todas elas devem voltar-se para que o amor e o serviço, afinal “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15,13). Amor sem fim. Amor até o fim. Amor que não tem fim. Sejamos vida na vida do amor sem fim! Como bem disse São João da Cruz: “Ao entardecer desta vida, serás examinado no amor”.
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