Categories: Reflexões Bíblicas

Amor: dom de servir (Chico Machado)

Quinta feira Santa. Dia da Ceia do Senhor. Dia da instituição da Eucaristia. Dia do amor doação transformado em gesto de serviço gratuito. Com a quinta feira, damos início ao Tríduo Pascal. São os três dias mais importantes, que resume toda a essência da fé cristã. Três celebrações compostas pela Quinta-feira santa, Sexta-feira Santa e o Sábado Santo. O Tríduo Pascal é celebrado em memória da Paixão, morte e ressurreição de Jesus, culminando na manhã do primeiro dia da semana (Domingo da Páscoa). Todo o ministério de Jesus se cristaliza nestes três dias de verdadeira agonia de um inocente a caminho da morte, mas com a certeza de que Deus tem a última palavra e esta é a vida plena para Ele e para nós.

A Quinta Feira Santa amanheceu encharcada aqui pelas bandas do Araguaia. São Pedro não economizou na água que desceu do céu em profusão durante toda a noite. Estamos vivendo um outono com cara de inverno. O dia amanheceu escuro, com as intensas nuvens dando folga ao sol, que não acordou nesta manhã. Ajuntando o momento litúrgico da Semana Santa, com o clima nostalgicamente bucólico de uma manhã chuvosa, rezei relembrando da história de meu sacerdócio que começou no ano de 1976, com início de meu processo formativo, culminando com a ordenação presbiteral, ocorrida no final do ano de 1989, com a minha enorme família festivamente ali ao redor de mim.

Liturgicamente, hoje é um dia especial. Dois momentos significativos do cristianismo estão presentes no cerimonial desta Quinta feira Santa: o Lava-pés e a Instituição da Eucaristia. O Lava-pés é um ritual litúrgico realizado, durante a celebração da Quinta-feira Santa, quando recorda a última ceia do Senhor. Jesus, ao lavar os pés dos seus discípulos, quis demonstrar seu amor profundo por cada um, e mostrar a todos que a humildade e o serviço são o centro da mensagem de seu ministério messiânico. Esta celebração, portanto, é a maior explicação para o grande gesto de Jesus, que é a Eucaristia. Não se trata de uma encenação teatral, mas um gesto concreto de quem serve por amor como doação total de si mesmo.

Na Ceia desta Quinta Feira Santa, Jesus também institui o sacerdócio e a Eucaristia Durante a Ceia Ele, num dia como o de hoje, véspera de Sua Paixão, “durante a refeição, tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: ‘Tomai e comei, isto é meu corpo’.” (Mt 26,26). Ou seja, Ele quis, assim como fez na última ceia, que seus discípulos se reunissem e se recordassem d’Ele, abençoando o pão e o vinho: “Fazei isto em memória de mim” (1Cor 11,24-25), conforme nos relata o apóstolo Paulo em uma de suas cartas. Aliás, segundo os exegetas, este é o texto mais antigo testemunhal sobre a Eucaristia: foi escrito no ano 56, dez anos antes dos Evangelhos. Com essas palavras assertivas de Jesus, Ele instituiu o sacerdócio católico e deu-lhes poder para celebrar a Eucaristia.

O texto escolhido todos os anos para a Quinta feira Santa é o do Evangelho de João 13,1-15. Uma passagem exclusiva deste evangelista, já que ele é o único que narra os fatos da cerimônia do Lava-pés. Este texto talvez seja o mais conhecido de todo o Novo Testamento. Há toda uma simbologia presente neste texto, a qual, precisamos estar atentos, pois o gesto feito por Jesus foi para mostrar aos seus seguidores e seguidoras que a vida cristã se resume no amor que é dom e serviço gratuitos. Ao lavar os pés de seus discípulos, atividade esta realizada pelos escravos dos judeus, Jesus está dando a dica de que é na humildade de quem se soa que o amor acontece. O gesto de Jesus é ensinamento: a autoridade só pode ser entendida como função de serviço aos outros.

A Eucaristia é o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Todas as vezes que nos reunimos em comunidade para celebrá-la, estamos fazendo este memorial. A vocação presbiteral se desdobra na tríplice dimensão: sacerdote, profeta e rei (pastor). O Concílio Vaticano II (1962-1965) nos recorda que o mistério do poder e o fato de que a missão de Cristo Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei, continua na comunidade cristã, isto é, todo povo de Deus que participa nesta sua missão. Todos nós que cremos, exercemos assim o nosso sacerdócio batismal através da participação, cada qual segundo a sua vocação própria, na missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei (CIC, 1546).

Sacerdote, Profeta e Rei, esta é a tríplice dimensão da vida presbiteral. Pena que alguns dos nossos sacerdotes, guardaram na algibeira de suas vestes clericais a profecia. Deixaram cair a profecia. Vivem mais o poder sacerdotal clerical (rei), afugentando para bem longe de si a dimensão profética, de anunciar sim as maravilhas de Deus, o plano de Deus, mas também denunciar aquilo que se desvia do caminho de Deus, ou seja, aquilo que não corresponde à sua vontade, sobretudo quando envolve a vida dos pobres e marginalizados, oprimidos pela força dos poderosos. Os presbíteros devem levar uma vida simples de desapego, sem ostentação, para melhor desenvolverem o serviço ao qual foram “chamados“, em forma de amor, dom e serviço às causas do Reino. Da forma como se empetecam, cheios de rendas, alfaias e vestimentas douradas, fica até difícil abaixarem para lavar os pés dos empobrecidos de nossas comunidades. A lição que fica para todos nós nesta Quinta feira Santa é que não se justifica nenhum tipo de superioridade entre nós, mas somente a relação pessoal de irmãos e irmãs, amigos e amigas que somos. (Amizade Social)

Luiz Cassio

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