Chegamos ao último domingo do mês missionário.
O mês se foi, mas a missão ainda continua. Outubro chegou ao fim. Que venha novembro com novas perspectivas, novos sonhos e uma nova realidade, recheada de um esperançar. É sempre possível acreditar que podemos fazer diferente. Assumir o diferente, sem fazer as mesmas coisas de sempre, como nos alerta o físico alemão Albert Einstein (1879-1955): “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Que possamos ser esta diferença, sendo e fazendo o diferente! Sem nos compararmos com quem quer que seja, mas com o melhor que podemos dar de nós mesmos.
Como sempre faço aos domingos, iniciei o meu dia ao lado do poeta, profeta e místico do Araguaia. Ainda muito cedo me fiz presente ali com Pedro em sua “cova rasa”. Comigo estavam também uma legião de papagaios que tomavam o seu café da manhã, degustando as centenas de mangas dali da beira do rio Araguaia. Não somente degustavam os frutos, mas também conversavam animadamente entre si, numa algazarra infinda. Nada que atrapalhasse a minha prosa e verso com Deus e Pedro. Se vivo ainda fisicamente estivesse entre nós, Pedro estaria muito triste com tudo que vem acontecendo ao Brasil e, particularmente à Amazônia.
A cada dia que passa, a Amazônia tem se transformado literalmente num “cemitério de árvores”. Nas minhas andanças por aqui, tenho presenciado uma destruição sistemática da floresta. O olhar se perde no horizonte, ao ver o tamanho da área desmatada, que em pouco tempo se transformará num enorme canteiro da monocultura. O agronegócio segue cometendo os seus crimes rotineiros, sem que os órgãos oficiais fiscalizadores, façam algo, pois foram desmantelados quanto à sua função de fiscalizar os ilícitos ambientais.
O sonho dos povos originários sempre foi o de permanecerem vivos sobre os seus sagrados territórios. Sonham com o dia em que a floresta não será mais ameaçada, mas permanecerá de pé, pois o contrário, é o fim de toda a vida. Segundo eles, desmatar a florestar é matar a vida. A vida de todos os seres que ali habitam e também daqueles que estão distantes dela. Nesta sua perspectiva, são eles que ainda preservam a floresta em pé. Não precisa de um olhar mais apurado para se perceber onde estão os territórios indígenas e as outras terras. Estas últimas, sem vida própria, dadas as altas dosagens de veneno despejadas sobre elas.
No momento que dialogava ali com Pedro, lembrei-me de um de meus diálogos que tive com a grande liderança indígena, o cacique Kaiapó Megaron Txucarramãe. Tinha eu acabado de chegar à Prelazia de São Félix do Araguaia (1992) ainda deslumbrado com tudo o que estava vivendo ali naqueles primeiros momentos. Naqueles dias, estava acontecendo na cidade, um encontro de lideranças indígenas. Dentre estas, Megaron. Me aproximei daquele homem cheio de curiosidades. Num dado momento da nossa conversa ele me disse: “Padre Chico, a natureza vive em constante harmonia. Todos os seres da natureza se comunicam entre si. Cada qual na sua linguagem própria, mas todos se entendem. A Anta, por exemplo, quando está com muitos carrapatos em seu corpo, ela emite um som característico que atrai o Urutau, que desce para se alimentar. Enquanto se alimenta, retira o carrapato e ainda coça o local para Anta”.
A sabedoria que nos vem da natureza. A floresta viva e em pé, tem uma riqueza que somente aqueles que convivem mais de perto com ela, são capazes de reconhecer. Como nos dizia Pedro em um de seus poemas: “Quem fica na floresta um dia, quer escrever uma enciclopédia; quem passa 5 anos, fica em silêncio para perceber o quanto é profunda e complexa a Criação”. A Amazônia é esta riqueza em forma de criação. Nela e por ela, Deus se comunica a nós através de suas criaturas. Esta foi a experiência que também fui adquirindo com o meu trabalho, ao longo destes anos, na companhia dos povos indígenas.
Estamos vivendo num grande dilema: ver destruído nosso próprio pulmão. Apesar de toda riqueza e vida que nos vem da floresta, a Amazônia segue sendo ameaçada a cada dia. Em nome do progresso e de uma economia a serviço de uns poucos, ela segue sendo devastada, destruída, maltratada. Alguns se sentem no direito de destruir aquilo que é de toda a vida do planeta. Ainda bem que um grupo significativo de artistas se reuniu e produziu uma bela canção para chamar a atenção e um olhar sobre a floresta ameaçada. Nando Reis é um destes artistas, que assim começa a canção: “Maior floresta tropical da Terra. A toda hora sofre um duro golpe. Contra trator, corrente, motosserra, A bela flora clama em vão: ‘Me poupe!’ Porém tem uma gente surda e cega Para a beleza e o valor da mata, Embora o mundo grite que já chega Pois é a vida que o desmate mata.
Viva a vida! Viva da Amazônia!
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