Quarta feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum. Uma manhã iniciando em meio a fumaça e o calor, que tem predominado nestes dias aqui pelas bandas do Araguaia. Os dias têm passado muito rápidos. Mais três outros mais, e agosto entrega o bastão a setembro. Aqui e acolá já se vê uma flor desabrochando, prenunciando a primavera. Nosso desafio é viver um dia de cada vez, dando o melhor que podemos ser, nas circunstâncias que dispomos. Neste sentido, Mateus até que nos orienta quando diz da boca de Jesus: “Não fiqueis preocupados com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã trará as suas próprias preocupações. Para cada dia bastam as suas próprias dificuldades”. (Mt 6,34)

O dia de hoje é especial para a nossa Igreja. Celebramos nesta data a memória de Santo Agostinho (354-430). Bispo e Doutor da Igreja, uma das mentes privilegiadas, pela sabedoria e lucidez filosófica. Podemos até discordar de alguns dos pensamentos seus, mas não podemos deixar de reconhecer, se tratar de uma mente brilhante, como mestre da retórica. Nasceu em Tagaste, hoje Argélia. Foi ordenado sacerdote em 391 pelo bispo Valério, a quem sucedeu como bispo da diocese de Hipona, uma cidade na província romana da África, no ano 395. Agostinho abre-se completamente à Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede. Como está escrito em uma de suas principais obras, que foi o meu livro de cabeceira por longos anos: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti” (Confissões 1, 1).

Em meio a fumaça que pairava no ar nesta manhã, quis iniciar o meu dia na presença de Pedro. Eu e uma centena de papagaios que pousavam sobre as galhas das árvores do cemitério, onde está o nosso profeta. Rezei, pedindo a intercessão de Pedro por todos nós, e a sua permissão para trazer junto naquele momento as pessoas de Dom Helder, Dom Luciano Mendes de Almeida e Dom José Maria Pires. Ambos os três, realizaram a sua páscoa no mesmo dia e mês: 27 de agosto. Dom Hélder em 1999; Dom Luciano, em 2006 e Dom José Maria Pires, em 2017. Três colunas mestras da Igreja latino americana, que deram as suas vidas pelas causas do Reino, numa Igreja encarnada na realidade dos pobres.

Como ontem já falei sobre Dom Hélder, quero me referir hoje aos outros dois. Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida S.J (1930-2006), foi o primeiro jesuíta brasileiro a tornar-se bispo. Atuou como Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo entre 1976 e 1988, quando foi nomeado por João Paulo II como Arcebispo de Mariana (MG), onde permaneceu até a morte, aos 75 anos de idade. Tive o privilégio de conhecê-lo, quando ele era da região Belém e eu atuava na Zona Leste, região de São Miguel Paulista, sob o comando de Dom Angélico. Eu via em Dom Luciano um homem que vivia as Bem-Aventuranças, no seu incansável trabalho junto à população de rua.

Já Dom José Maria Pires (1919-2017), mineiro da cidade de Córregos, foi o primeiro bispo negro no brasil. Esteve presente em todas as sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) e, junto com Dom Hélder, se comprometeu com o “Pacto das Catacumbas”, considerado como a consequência mais cristã de todo o Concílio na época. Dom Zumbi, como passou a ser chamado, por causa de sua ascendência negra, fez a opção que está na vida e na prática de Jesus: escolheu os pobres como prioridade de sua evangelização, ou seja, se solidarizou com os pobres correndo o risco da própria vida. Como ele mesmo gostava de dizer: “Serviço eclesial baseado na fé bíblica, que se põe ao lado das vítimas do latifúndio e da política oficial, seguindo a mesma inspiração de luta do povo de Deus em busca da Terra Prometida.” Ficamos sabendo que, antes de morrer, quis vir visitar Pedro, amigos de longa data, mas fora desaconselhado pelos médicos seus.

Conclui a minha oração do dia revendo o texto bíblico da liturgia de hoje. Jesus pronunciando os dois últimos “ais”, dos sete que dissera, às lideranças religiosas, desta vez aos mestres da Lei e fariseus. Se antes, Mateus no capitulo cinco, nos traz a obra prima das sete “Bem-Aventuranças” (Mt 5,3-12), aqui no capitulo 23, são os sete “Ai de vós!” Jesus esconjurando a prática farisaica e hipócrita dos lideres religiosos. Compara-os a sepulcros: “Vós sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão!” (Mt 23,27) Mais claro, impossível! Pena que esta prática equivocada, denunciada por Jesus ali naquele contexto de sua vida pública, continua ainda presente em muitas das nossas lideranças religiosas nos dias atuais. Parece que não aprendemos nada com os ensinamentos de Jesus. Algumas práticas religiosas hoje são de fazer inveja aos mestres da Lei e fariseus do tempo de Jesus. Porém, a fala de Jesus continua também atual: “Ai de vós!” Oxalá, que não seja pra nós. A falsidade e a hipocrisia são as duas faces da mesma moeda.