A vontade de Deus (Chico Machado)

Terça feira da Terceira Semana do Tempo Comum. O mês de janeiro preparando para o seu adeus. Enquanto isso, seguimos a nossa jornada aqui neste plano, fazendo a nossa parte, objetivando um mundo melhor em que haja paz e justiça. Outro mundo possível, como sonho originário de Deus, já que este que aí está, requer uma repaginada, contrariando os seus desígnios. Não devemos temer sonhar com esta possibilidade, já que filhos e filhas de Deus, todos nós somos, acreditemos ou não. Sonhar o sonho de Deus é o principio fundamental, para que possamos construir uma nova sociedade, onde os princípios da solidariedade, igualdade e fraternidade estejam presentes na ordem do dia. O recado de Deus está dado, que o diga o companheiro de Moisés: “Sou eu que estou mandando que você seja firme e corajoso. Não tenha medo e não se acovarde, porque seu Deus está com você aonde quer que você vá”. (Js 1,9)

Começar cada manhã agradecendo pelo dom da vida e a dádiva de mais um dia, é o mínimo que podemos e devemos fazer diante do Criador de todos nós. Agradecer por estarmos vivos e poder contemplar mais um espetáculo da natureza, anunciando o novo dia. Foi o que fiz, na companhia de Pedro, nosso eterno pastor, em seu lugar sagrado, às margens do Araguaia, cada dia mais volumoso. Sinto-me um privilegiado de poder, pelo menos uma vez por semana, rezar no túmulo deste grande homem de Deus. Em meio as minhas preces de gratidão, veio-me a mente uma das frases atribuídas ao poeta amazonense Augusto Branco: “A gratidão é a maior medida do caráter de uma pessoa. Uma pessoa grata é uma pessoa fiel, não te abandona, está sempre contigo. Nela você sempre pode confiar”.

Confiar como podemos fazer diante daquele que celebramos hoje o seu dia: Santo Tomás de Aquino. Um dos maiores personagens da teologia católica. Nasceu em 1225, em Roccasecca, na região sul do Lácio, na Itália. Filho de família nobre, o jovem Tomás, aderiu à vida religiosa aos 19 anos, sendo “recrutado” pela Ordem dos Pregadores – nome pela qual os Dominicanos são conhecidos. A vida de Santo Tomás de Aquino foi tomada por uma forte espiritualidade Eucarística, na arte de pesquisar, elaborar, aprender e ensinar pela Filosofia e Teologia os Mistérios do Amor de Deus. De inteligência rara, Tomás teve contato com as obras de Aristóteles; contribuindo assim para que ele se aprofundasse em sua tese sobre aristotelismo. Foi para mim um grande inspirador no curso de filosofia, quando debrucei na leitura de suas obras, sobretudo a “Suma Teológica”.

Tomás de Aquino também é considerado um dos primeiros a representar a escolástica, além de ter sido fundador da “Escola Tomista”. Lembrando que a “Escolástica” é uma corrente filosófica que surgiu a partir da Patrística, vertente da Filosofia desenvolvida pelos padres filósofos. O nome de maior destaque dessa corrente é o de São Tomás de Aquino. As escolas surgiram na Europa, no século XII, em paralelo ao desenvolvimento da Teologia. Já o tomismo é o sistema filosófico e teológico desenvolvido por Santo Tomás de Aquino e, posteriormente aprofundado pela corrente de pensadores influenciados por ele. Caracteriza-se, sobretudo, pela sua aceitação do uso da “razão” na especulação teológica, sem confundir o seu domínio com o da fé. Tomás foi decretado doutor da Igreja e canonizado pelo papa João XXII, em 18 de julho de 1323. Morreu em 7 de março de 1274.

Santo Tomás de Aquino fazia parte integrante da “família de Jesus”, como bem define o texto da liturgia desta terça feira. O evangelista Marcos trazendo-nos a reflexão sobre quem são, de fato, os membros desta família do Nazareno. Neste texto, Jesus define claramente quem são seus irmãos: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. (Mc 3,35) Fazer a vontade de Deus, eis a questão. Algo não muito simples assim, segundo o entendimento de muitos dos cristãos ao longo da história do cristianismo. Há muitas interpretações acerca desta passagem bíblica, que requer o nosso entendimento com discernimento. Alguns até pesam que, fazer a vontade de Deus é estar presente frequentemente entre as quatro paredes do templo em constantes adorações e vigílias, numa vivência individualizada da fé: eu e Deus. Será?

O texto de Marcos nos mostra algo muito mais incisivo. Enquanto a família segundo a carne está “fora”, a família segundo o compromisso de fé está “dentro”, ao redor de Jesus, ouvindo-o e tentando entender a sua mensagem para a vida. Sua verdadeira família é formada por aqueles e aquelas que realizam, na própria vida, a vontade de Deus, que consiste em dar continuidade à mesma missão d’Ele. As perguntas que ficam para nós hoje é: qual é a vontade de Deus mesmo? Numa sociedade, cada vez mais egocêntrica, em que as pessoas insistem em querer fazer prevalecer a sua vontade, os seus desejos egoístas, marcados pela “egolatria”, fazer a vontade de Deus torna-se cada vez mais distante da proposta trazida por Jesus. Sendo assim, devemos sempre nos perguntar: tenho a consciência clara de qual é mesmo a vontade de Deus para a minha vida? Estou disposto/disposta a fazer valer esta vontade, mesmo que eu tenha que abrir mão dos meus interesses? Sinto-me parte integrante desta “família de Jesus? Reflita e dê a resposta a você mesmo/a.