Categories: Reflexões Bíblicas

A vida no Reino (Chico Machado)

Segunda feira da Primeira Semana da Quaresma. Sexto dia dos quarenta que teremos pela frente até chegar à Páscoa. Um tempo especial que nos preparamos para a vida definitiva do Cristo Ressuscitado. Mudanças são necessárias para que possamos incorporar em nós o projeto libertador de Deus. Mudar interiormente, mas também externamente/socialmente, nas nossas relações, buscando o cumprimento da justiça de Deus. Converter é olhar para dentro de nós mesmos, para que possamos apurar o olhar de nosso coração, frente à realidade vivida com amor, misericórdia e compaixão. Como diz Paulo em uma de suas cartas: “Eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação”. (2Cor 6,2)

Segunda feira é sempre tempo de recomeço. Recomeçar a jornada, dando passos significativos rumo às nossas realizações. Viver um dia de cada vez, escrevendo no livro da nossa existência, mais uma página. Fomos criados a imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26-28), mas temos autonomia para edificar o roteiro de nossa historia de vida. As escolhas, somos nós que fazemos. Cada amanhecer é uma destas oportunidades que Deus nos concede para que possamos ir caminhando com os pés firmes no chão da história. Como nos dizia o mineiro Chico Xavier (1910-2002): “Cada dia que amanhece assemelha-se a uma página em branco, na qual gravamos os nossos pensamentos, ações e atitudes. Na essência, cada dia é a preparação de nosso próprio amanhã”.

Amanhã vai ser outro dia! Não como hoje, nem como ontem. Cada dia é único e especial. Este dia não voltará mais. Virá outro e assim, a vida vai ganhando os contornos que nela vamos implementando. Aproveitar cada momento, cada instante, pois estes também são únicos e não voltarão. Na nossa correria diária, nem sempre paramos para refletir sobre isso. Assim, precisamos tomar consciência da importância e do valor de cada acontecimento em nossas vidas, pois eles são únicos e cada segundo importa muito. A felicidade também reside no fato que quem sabe viver grandes momentos ao lado de pessoas que sabem valorizar pequenos instantes.

O tempo litúrgico que estamos vivendo nestes dias é o da Quaresma, e o ciclo é o do Ano B. A Igreja divide os períodos litúrgicos em A, B e C. No ano A, é lido e refletido o Evangelho de Mateus; no ano B, o Evangelho de Marcos; no ano C, lê-se o Evangelho de Lucas. Os três evangelhos sinóticos. Sinótico quer dizer “visão conjunta”, de expressar a mesma visão sobre algo. Esse termo é formado pela junção das palavras gregas “sin”, “junto com” e “ótico”, “visão” Assim sendo, os Evangelhos Sinóticos, são aqueles que narram a vida e ministério de Jesus Cristo sob o mesmo ponto de vista. Já o quarto Evangelho, o de João é lido, em ocasiões especiais, ou seja, nas festas e também nas solenidades.

Neste dia de hoje, deixamos Marcos um pouco de lado, pedindo emprestado o texto de Mateus para a nossa reflexão. (Mt 25,31-46) Um texto específico de Mateus e que não aparece em nenhum dos outros Evangelhos sinóticos ou de João. Aliás, esta é a única cena dos Evangelhos que mostra qual será o conteúdo daquilo que, escatologicamente, a teologia chama de “juízo final”. Ali, as pessoas serão julgadas pela fé que tiveram em Jesus. Fé que se expressa no grau de comprometimento nosso com a pessoa concreta de Jesus. Ele que está identificado com os pobres e oprimidos, marginalizados por uma sociedade baseada na riqueza e no poder. Desta forma, o julgamento será sobre a realização ou não de uma prática de justiça em favor da libertação dos pobres e oprimidos. A opção preferencial pelos pobres é bíblica, portanto.

A prática central da fé cristã é o amor solidário que se traduz em gestos concretos de justiça em favor dos pequenos, pobres e marginalizados. Somos chamados a “Cumprir toda a justiça” (Mt 3,15). A condição “sine qua non” (sem a qual não é possível) para participar da vida do Reino é aquilo que Mateus põe na boca de Jesus no texto de hoje: dar comida ao faminto; água a quem está com sede; receber o estrangeiro em nossa casa; vestir o desnudo; visitar os doentes e encarcerados. Ao assumirmos estas práticas, daí Jesus conclui: “Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,4) Com certeza, no juízo final, não nos será perguntado em quantas Missas nós fomos, quantas Ave-Marias e Pai Nossos nós rezamos, quantas vezes bajulei o padre, quantas boas intenções nós tivemos. Não há compatibilidade entre a fé e a mediocridade farisaica. Participar da vida no Reino depende diretamente do nosso engajamento ao Projeto Libertador de Jesus, que é vida plena para todos, sobretudo os mais necessitados! Topas?

Luiz Cassio

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