Terça feira da Quinta Semana do Tempo Comum. Se ontem foi um dia de chuva intensa, irrigando a terra e preenchendo os mananciais, hoje o Astro-Rei veio rasgando o dia com os seus raios fortes e brilhantes. Fui acompanhar o nascer do dia mais uma vez na companhia de Pedro, aproveitando para salmodiar ali o esplendor de mais um amanhecer. Relembrei das quantas vezes vimos Pedro, no romper da madrugada, ele ali sentado na Capela nos fundos de seu quintal, em verdadeira atitude de ascese, razão pela qual o revestia de intensa coragem para enfrentar os muitos desafios que tinha pela frente. Um homem de profunda oração, cuja mística, conduzia a sua teimosia na resistência esperançosa. Fortaleza como a de um Baobá em meio ao deserto.
Ao fundo, as águas do Araguaia, sendo coloridas pelo tom avermelhado do instigante Sol, conduzindo suas águas tão profundas rumo ao infinito. Vez por outra, sendo rasgadas pelo trafegar das voadeiras indígenas, conduzindo a ancestralidade dos corpos embriagados pelos saberes tradicionais originários. Rezar neste cenário fica fácil, escutando os pássaros, entoando seus hinos agradecidos ao Criador, por mais um dia doado pela gratuidade Daquele que muito nos ama. A divindade de Deus se faz presente em cada folha que baila ao sopro do vento, mostrando assim o quanto somos especiais para Àquele que nos criou, em sua plena amorosidade.
A semana vai se constituindo em horas compassadas de nosso calendário cronológico. Uma terça feira em que nós, aqui da Amazônia, ainda estamos olhando para o domingo que se foi, quando Boa Vista, sede da diocese de Roraima, acolheu a ordenação episcopal de Mons. Raimundo Vanthuy Neto, bispo eleito da diocese de São Gabriel da Cachoeira. O ordenante foi o Cardeal Dom Leonardo Ulrich Steiner, O.F.M. O lema escolhido por este pastor ordenado foi: “Servir na Caridade e na Esperança”. Dom Raimundo Vanthuy Neto, vai ser o bispo da diocese mais indígena do país, com o desejo de acolher a riqueza das culturas dos povos da Amazônia. Várias etnias se fizeram presentes na cerimônia, acolhendo o novo bispo com as suas danças e rituais, com adereços sendo lançados em seu pescoço de pastor com cheiro indígena.
A alegria desta Boa Nova do domingo contrasta veementemente com o que aconteceu na segunda feira, quando a Arquidiocese de São Paulo, manifestou em nota, de que abriu uma nova investigação para apurar “laudos periciais com resultados contraditórios” de um suposto “novo fato de abuso sexual” envolvendo o padre Júlio Lancellotti. Mais uma vez o Padre Júlio sendo objeto de mais uma contenda, desta vez, partindo de dentro da própria Igreja, nos fazendo lembrar aquilo que fora dito pelo evangelista Mateus: “os inimigos do homem serão os da sua própria casa”. (Mt 10,36) Conhecendo o padre Júlio, sei que ele, apesar de chateado, não vai ter medo algum, porque ele sabe que a sua missão se baseia na verdade, que põe a descoberto toda a mentira de um sistema social/eclesial, que não mostra a sua verdadeira face.
Estamos vivendo dias tristonhos em algumas das nossas realidades eclesiais. O tradicionalismo anda de mãos dadas com a mentira, o ódio, com as inverdades sendo disseminadas pelas redes digitais. A tradição deu lugar ao tradicionalismo. Enquanto a Tradição manifesta a fé viva daqueles que testemunham com fidelidade o seguimento de Jesus de Nazaré, o tradicionalismo se fundamenta no ego inflado, valorizando a aparência e o passado. Aliás, vivem de passado. Não há sensibilidade, empatia e muito menos simpatia. No tradicionalismo, a pessoa, as instituições, são o centro, a razão das coisas, numa atitude desenfreada pela aparência, pela visibilidade daquilo que não são.
Foi assim também com Jesus que o texto do Evangelho de Marcos nos ajuda a refletir no dia de hoje. Fariseus e mestres da Lei deixam Jerusalém e vão à periferia, cobrar de Jesus que os seus discípulos cumpram a tradição dos antigos. Ou seja, estas lideranças abandonaram de vez o Evangelho, substituindo-o pelo tradicionalismo daquilo que está escrito na Lei, numa demonstração clara de que a Tradição está acima do Evangelho. Falta-lhes amor, bondade, misericórdia, compaixão que são as palavras-chave do mandamento do amor. Jesus desmascara o que está por trás de certas práticas apresentadas como religiosas e ainda por cima os chamam de hipócritas, mostrando que rumo o coração deles está tomando: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. (Mc 7,6) Que não sejamos como estes fariseus nos dias de hoje, apegando-nos a um tradicionalismo egolátrico, que inviabiliza o amor pelas mesmas causas de Jesus.
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