Terça feira da Segunda Semana da Quaresma. 14º dia da Quaresma. Nossa jornada de conversão está apenas na segunda semana. Muito há que caminhar para que assim possamos desenvolver o nosso processo de transformação/conversão. A vida corre veloz e, quando menos esperamos, já estaremos chegando ao final de mais uma etapa. Por este motivo devemos viver cada dia com a intensidade maior, tratando as pessoas com o carinho que elas merecem, pois pode ser que seja a última vez que estaremos lado a lado com elas. Um dia de cada vez, mas embriagados da mesma amorosidade que Deus tem para conosco. Fomos projetados por Ele para viver a plenitude da vida e, se algo não está indo nesta direção, estamos fugindo do projeto originário de Deus. “Deus faz bem todas as coisas”. (Ecle 11,5)
Uma Quaresma diferente na vida de nosso grande jesuíta e importante liderança mundial Papa Francisco. Seu estado de saúde ainda requer maiores cuidados. Já com seus 89 anos, o corpo fragilizado pelo avançar da idade, mas com uma jovialidade que surpreende a todos a sua volta. O pontífice não perde a esperança e continua lutando contra a enfermidade que o acomete, como ele mesmo manifestou em uma de suas mensagens recentes: “Estou passando por um período de provação e me uno a tantos irmãos e irmãs doentes, frágeis, neste momento como eu. O nosso físico está fraco, mas mesmo assim, nada nos impede de amar, de rezar, de nos doarmos, de sermos uns para os outros, na fé, sinais luminosos de esperança”.
Neste 77º dia do ano de nosso calendário gregoriano, um fato histórico importante está registrado nos anais da história paulistana. No dia de hoje, em 1989, estava sendo inaugurado na Pauliceia o Memorial da América Latina. Trata-se de um projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer (1907-2012), um dos maiores arquitetos que o Brasil já conheceu. O Memorial foi projetado e desenvolvido pelo meu conterrâneo (montesclarense), o antropólogo, historiador. Sociólogo e escritor Darcy Ribeiro (1922-1997). Sempre que passo por São Paulo, dou um jeito de estar ali, pois sinto naquele ambiente a forte energia que nos fazem irmanados com a América Latina. Meu coração se enche de emoção. Quem nunca passou por lá, aconselho a fazer uma visita neste importante espaço cultural.
A Quaresma vai se delineando como um momento oportuno para repensarmos a nossa fé, para vivê-la inserida e encarnada em nosso contexto histórico. Não uma fé de aparências ou de realização de atos ou gestos, para serem vistos pelos outros. A fé autêntica, coerente e verdadeira não precisa provar nada para ninguém, pelo menos é esta realidade que o texto litúrgico de hoje nos ensina. Mateus transcreve para nós, um dos ensinamentos de Jesus, feito aos discípulos e também a uma multidão de pessoas que o “seguia”: “Os mestres da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam. (Mt 23,2-3) Uma linguagem direta, mostrando claramente o perfil daquelas lideranças religiosas da Palestina de seu tempo.
Escutar o que eles dizem, mas não fazer o que eles fazem. Certamente ali no meio da multidão devia haver alguns destes religiosos, escutando esta dura fala de Jesus, direcionada a eles. Um mau exemplo a ser seguido, servindo de alerta para os discípulos, que ouviam atentamente o seu Mestre. Claramente, a religião ali naquele contexto, era usada para manipular as pessoas, e construir um tipo de sociedade desigual, cheia de privilégios e benesses para alguns, e a grande maioria das pessoas sendo oprimidas e exploradas por aquela casta de gente. Jesus faz uma dura crítica aos intelectuais e os líderes da classe dominante, que transformaram o saber em poder, agindo hipocritamente e oprimindo o povo. Na nova comunidade pensada por Deus e anunciada por Jesus, todos são irmãos, voltados para o serviço mútuo e reunidos em torno de Deus que é Pai, e de Jesus, que é o único líder e que veio para servir.
Fico imaginando o que Jesus diria para alguns dos nossos “evangelizadores”, que se escondem por detrás das redes digitais, e dali exercem o seu papel de “influenciadores”, manipulando a fé das pessoas simples e humildes das nossas comunidades. Seriam estes “evangelizadores”, os mestres da Lei e fariseus modernos, aos quais devemos ouvi-los, mas não fazer o que eles fazem? Uma evangelização de visualização e aparência, que não pisa no chão sagrado de terra batida dos pobres e marginalizados das periferias geográficas e existenciais. É muito fácil “evangelizar” bem vestido, maquiado e bem alimentado, engordando a conta bancária com as suas “monetizações”. Difícil é sair por aí, convivendo com os desprezados, os pobres, os indígenas, os despossuídos, marginalizados por uma sociedade que vive da ganância do ter sempre mais, de um consumismo perverso e desumano. Ainda bem que Jesus cantou a pedra: “Pelo contrário, o maior dentre vós deve ser aquele que vos serve”. (Mt 23,11)
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