Em Bergen-Belsen, na véspera de Chanuká, foi feita uma seleção. No início da manhã, três comandantes alemães, meticulosamente vestidos com seus uniformes pretos festivos e visivelmente animados, entraram no barracão dos homens.
Eles ordenaram que os homens ficassem de pé ao lado de seus beliches de três andares. A seleção começou. Nenhum passaporte foi exigido, nenhum papel foi verificado, não houve lista de chamada e nenhuma contagem de prisioneiros.
Um dos três comandantes apenas ergueu o dedo indicador na sua luva branca como a neve e apontou na direção de um rosto pálido, enquanto sua boca pronunciava a sentença de morte com uma única palavra: “Komme (Venha)!” Como uma rajada de tiros de metralhadora, vieram os comandos alemães: “Komme, komme, komme, komme, komme.”
Os homens selecionados foram levados para fora. Homens das S.S. com cassetetes de borracha e aguilhões de ferro os aguardavam. Eles chutaram, espancaram e torturaram as vítimas inocentes. Quando o corpo torturado não respondia mais, o revólver era usado…
A seleção aleatória continuou dentro dos demais barracões e o massacre brutal continuou até o anoitecer. Quando os anjos negros da morte nazistas partiram, eles deixaram para trás centenas de corpos torturados e retorcidos.
Então Chanuká chegou em Bergen-Belsen. Era hora de acender as luzes de Chanuká. Um jarro de óleo não foi encontrado, nenhuma vela estava à vista e uma chanukiá[1] pertencia a um passado distante. Em vez disso, um tamanco de madeira, o sapato de um dos internos, tornou-se uma chanukiá; fios tirados de um uniforme de campo de concentração, um pavio; e a graxa de sapato preta do acampamento, óleo puro.
Não muito longe dos amontoados de corpos, os esqueletos vivos se reuniram para participar do acender das luzes de Chanuká. O Rebe de Bluzhov[2] acendeu a primeira luz e entoou as duas primeiras bênçãos com sua voz agradável, e a melodia festiva estava cheia de tristeza e dor.
Quando estava prestes a recitar a terceira bênção, ele parou, virou a cabeça e olhou ao redor como se estivesse procurando por algo. Mas imediatamente, ele voltou seu rosto para as pequenas luzes trêmulas e com uma voz forte, tranquilizadora e reconfortante, cantou a terceira bênção:
“Bendito és Tu, ó Senhor nosso D’us, Rei do Universo, que nos manteve vivos, e preservou-nos e permitiu-nos chegar a este tempo.”
Entre as pessoas presentes ao acender das luzes estava um Sr. Zamietchkowski, um dos líderes do Bund de Varsóvia.
Ele era uma pessoa inteligente e sincera, com paixão por discutir assuntos de religião, fé e verdade. Mesmo no campo de extermínio de Bergen-Belsen, sua paixão pela discussão não diminuíra. Ele nunca perdia a oportunidade de se envolver em tal conversa.
Assim que o Rebe de Bluzhov terminou a cerimônia de acendimento das luzes, Zamietchkowski acotovelou o seu caminho até o rabino e disse: “Spira, você é uma pessoa inteligente e honesta. Posso entender sua necessidade de acender velas de Chanuká nestes tempos miseráveis. Posso até entender a nota histórica da segunda bênção, ‘Quem fez milagres por nossos pais nos dias antigos, nesta época’.
Mas o fato de você ter recitado a terceira bênção está além de mim. Como você pode agradecer a D’us e dizer ‘Bendito és Tu, ó Senhor nosso D’us, Rei do Universo, que nos manteve vivos e nos preservou e nos capacitou a chegar a este tempo”?
Como você pode dizer isso quando centenas de corpos de judeus mortos jazem literalmente nas sombras das luzes de Chanuká, quando milhares de esqueletos judeus vivos estão andando pelo acampamento e outros milhões estão sendo massacrados? Por isso você está grato a D’us? Por isso você louva o Senhor? Isso você chama de ‘nos manter vivos’?”
“Zamietchkowski, você está cem por cento certo”, respondeu o rabino. “Quando cheguei à terceira bênção, também hesitei e me perguntei, o que devo fazer com essa bênção? Virei a cabeça para perguntar ao Rabino de Zaner e outros rabinos distintos que estavam perto de mim, se realmente poderia recitar a bênção.
Mas, quando estava virando minha cabeça, percebi que atrás de mim uma multidão estava parada, uma grande multidão de judeus vivos com seus rostos expressando fé, devoção e concentração enquanto ouviam o rito do acender do Luzes de Chanuká.
Então eu disse a mim mesmo, se D’us, bendito seja Ele, tem uma nação que em momentos como estes, durante o acendimento das luzes de Chanuká eles vêem na sua frente montes de corpos de seus amados pais, irmãos, e filhos, e a morte está em todos os cantos, se apesar de tudo isso, eles se aglomeram e com devoção ouvem a bênção de Chanuká:
‘Quem fez milagres para nossos pais nos dias antigos, nesta época’; se, de fato, eu fui abençoado em ver um povo com tanta fé e fervor, então tenho a obrigação de recitar a terceira bênção.”
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Alguns anos após a libertação, o Rebe de Bluzhov, agora residindo no Brooklyn, Nova York, recebeu cumprimentos do Sr. Zamietchkowski.
Zamietchkowski pediu ao filho do Rabino Skabiner para dizer ao Rebe de Bluzhov, que a resposta que ele deu a ele naquela noite escura de Chanuká em Bergen-Belsen permaneceu com ele desde então e foi uma fonte constante de inspiração durante tempos difíceis e conturbados.
Baseado em uma conversa do Grande Rabino de Bluzhov, Rabino Israel Singer, com Aaron Frankel e Baruch Singer, 22 de junho de 1975.
The First Chanuká Light in Bergen Belsen” de Hasidic Tales of the Holocaust © 1988 por Yaffa Eliach, in https://www.beitlubavitchrio.org/templates/blog/post.asp?aid=1873120&PostID=101459&p=1
[1] É um candelabro de nove braços, usado durante os oito dias do feriado judaico de Chanuká, também chamado de Festa das Luzes.
[2] Rabino Israel Spira, Rebe de Bluzhov (1891-1989).
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