Terça feira da Terceira Semana da Quaresma. Se a quaresma é um caminho, onde realizamos uma caminhada de quarenta dias, pelo deserto, em que nos submetemos a um processo de conversão, estamos no dia de hoje, começando a saída deste espaço propício teológico, já que alcançamos o 21º dia. Daqui até o Domingo de Ramos (24), devemos afinar a nossa sintonia com o Projeto de Deus, no sentido de sermos nós os continuadores da mesma missão de Jesus. Aquilo que Paulo definiu para si mesmo, fazendo-nos o convite para que assim também façamos o mesmo: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo!” (1Cor 11,1) Convertermo-nos é nos tornamos seguidores fieis d’Ele.
Uma terça feira triste, para nós que estamos ligados à realidade dos povos indígenas. Neste último dia 03 de março, perdemos a grande guerreira Elizabeth Aracy Rondon Amarante, mais conhecida como irmã Beth, aos 90 anos. Ela era uma Religiosa da congregação Sagrado Coração de Jesus e membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Trabalhou incansavelmente na garantia dos direitos dos indígenas especialmente os Manoki e os Myky. Conviveu com o Myky, morando junto com eles até o final de 2022. Conheci Beth na caminhada dos encontros formativos e testemunhei de perto a coerência e fidelidade desta grande mulher, na luta pelos povos indígenas. Muito respeitada por eles, tanto que já está fazendo muita falta. Um legado que jamais poderá ser esquecido.
A causa indígena também está de luto. No dia de ontem, “suicidaram” o cacique Merong Kamakã, da etnia dos Pataxó-hã-hã-hãe. Foi encontrado sem vida nesta segunda feira (04), em Brumadinho/MG, região metropolitana de Belo Horizonte. Merong era conhecido por lutar pelos direitos dos povos indígenas, principalmente na retomada das terras das aldeias naquela região. Vinha sofrendo seguidas ameaças de morte, mas não se sentia intimidado, ao ponto de chegar a dizer: “Se me matarem na luta, me transformarei em adubo para fazer germinar mais lutas pelos direitos indígenas para retomarmos nossos territórios”. Cacique Merong, PRESENTE! A causa indígena é de todos nós!
Assim como o Cacique Merong, exemplo de luta e dedicação, fatos como estes nos fortalecem na caminhada. Nos meus mais de 30 anos, convivendo com as comunidades indígenas aqui do Mato Grosso, já vi de tudo e, cada vez que tomba um na luta, saímos ainda mais fortalecidos e convictos de que estamos no caminho certo. Nosso Deus é o Deus da caminhada e nos convoca a continuar lutando. Basta acompanhar a caminhada de Jesus de Nazaré para perceber que este é também o nosso destino, abraçando a cruz e seguindo o mesmo caminho d’Ele, com Ele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e me siga. (Mt 16,24)
Abraçando a cruz e seguindo a Jesus, aprendendo com Ele, que hoje nos ensina a pedagogia do perdão. Como sempre, Pedro tomando a iniciativa, perguntando a Jesus: quantas vezes devíamos perdoar? Até sete vezes? A resposta de Jesus é imediata: não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. O número sete na Bíblia significa perfeição e neste caso indica, portanto, a necessidade de perdoar inúmeras vezes. Se sete quer dizer sempre, setenta vezes sete, significa setenta vezes sempre! Estar sempre pronto a perdoar, uma vez que o ato de perdoar é um gesto divino que nos aproxima do coração amoroso de Deus. Somente os fortes são capazes de perdoar infinitamente, como nos dizia Mahatma Gandhi: “O fraco jamais perdoa: o perdão é uma das características do forte”.
A pedagogia do perdão do qual fala Jesus é espelho do coração generoso do Pai que muito nos ama. O Pai perdoa sempre assim como o Filho! Jesus foi capaz de perdoar inclusive num dos momentos mais difíceis de sua vida terrena: No andar superior da cruz, seu coração generoso, semelhante ao do Pai, falou mais alto: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” (Lc 23,34) De fato, Jesus nos deu o exemplo. Do alto da cruz perdoou seus algozes. Todos nós precisamos de perdão. É assim que fazemos quando rezamos a segunda parte do Pai Nosso: “perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Ou seja, a medida do perdão de Deus para conosco está condicionada à medida que somos capazes de perdoar ao outro que errou. Somos, portanto, carentes do perdão, como bem expressou William Shakespeare: “Nada encoraja tanto ao pecador como o perdão”.
A pedagogia do perdão está relacionada ao ato de perdoar sempre e sem limites. Para Jesus, não existem limites para o perdão (setenta vezes sete). Ao entrar na comunhão e no amor de Deus, cada pessoa recebe, de antemão, o perdão do Pai generoso. Esta tem que ser a dinâmica que devemos levar para dentro das nossas relações fraternas. Uma vida baseada no amor incondicional e na misericórdia, compartilhando entre todos, este perdão que cada um já recebeu de Deus. Deus nos ama e perdoa sempre! O coração de Deus é pleno de amor, como o coração da Mãe. Bem que o escritor francês Honoré Balzac (1799-1850), já nos dizia: “O coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão”.
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