Terça feira da Segunda Semana da Quaresma.
Já estamos no décimo quarto dia percorrendo o caminho deste período litúrgico, nos preparando para o grande dia da Festa da Páscoa do Ressuscitado. Daqui até o dia 6 de abril teremos um longo caminho a seguir, sempre na perspectiva da tríade proposta para o período quaresmal: oração, jejum e caridade, que eu prefiro chamar de “solidariedade”, uma vez que a palavra “caridade” está vinculada a um conceito antigo denominado de “esmola”. O “esmolado” necessita de cuidados e ser humanizado na sua dignidade pelo nosso gesto solidário. Como diária o escritor alemão Franz Kafka (1883-1924): “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”.
Rezei nesta manhã na companhia dos Mártires da Caminhada. A chuva fina que caia despertou em mim a nostalgia dos tempos que já se foram. Bons tempos! A intenção era rezar com Pedro, mas o outro Pedro não me deu esta chance. A frase que inicia a última estrofe da canção “Pai Nosso dos Mártires” me fez refletir e trazer presente alguns dos companheiros que derramaram o seu sangue em martírio: “Perdoa-nos quando por medo ficamos calados diante da morte”. O espírito da omissão não pode fazer parte da vida do cristão. https://www.youtube.com/watch?v=oEgemxCj6qM
Fui dormir na noite de ontem revoltado com o comentário infeliz, alienado e descontextualizado feito por um “âncora” de nossas emissoras televisivas. Quantos mártires não estão sendo forjados a cada dia entre nós com a “indústria da fome”. O flagelo da fome está presente entre nós, mesmo que alguns dos nossos insistem em não querer ver esta realidade gritante. A fome no Brasil, apesar de ser naturalizada ela é estrutural. É causada entre outras coisas pela desigualdade social e pela alta concentração de renda e fundiária. As invasões de terras acontecem neste país desde a chegada do colonizador. A “Reforma Agrária”, para eles, foram as Capitanias Hereditárias (1530)
“Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), nos interpela a Campanha da Fraternidade deste ano com este lema, diante do cenário dolorido da fome. Não se trata de dar apenas o emergencial de uma cesta básica, mas de combater com todas as nossas forças as causas estruturais da fome: concentração em todos os níveis que produz a fome em larga escala. Eximir da responsabilidade é o grande pecado da humanidade e daqueles que dizem seguir a Jesus de Nazaré.
Jesus que no dia de hoje vem até nós, através da liturgia do dia mais uma vez com a sua “Pedagogia Libertadora”. Nesta sua pedagogia estão implícitas as “palavras geradoras”, que tanto Paulo freire nos ensinou: “falar” e não “praticar”. Uma crítica contumaz aos mestres da Lei e aos fariseus que tinham autoridade e pleno conhecimento da Lei, mas eles mesmos não praticavam aquilo que falavam e acreditavam. Ao contrário, estes líderes religiosos e políticos transformavam o saber em poder, usando deste subterfúgio para oprimirem ainda mais o povo pobre. Por este motivo, o Mestre aconselha os seus seguidores: “deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imiteis suas ações!” (Mt 23, 3)
“O caminho da sabedoria é o caminho da humildade”, dir-nos-ia Santo Antônio de Pádua. O caminho de Jesus é o caminho do serviço. O seguidor de Jesus é aquele que se coloca no caminho do servo que serve a todos. Servir como Jesus que veio para servir. O servo não é aquele que busca os lugares mais elevados como os fariseus que “gostam de lugar de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas”. (Mt 23, 6) Na nova comunidade de Jesus todos somos irmãos e irmãs, voltados para o serviço mútuo e reunidos em torno de Deus que é Pai e Mãe de todos e de Jesus, que é o único líder e que veio para servir.
Uma pena que a nossa instituição Igreja, com a sua vivência clerical, afastou-se da lógica desta pedagogia de Jesus. Bispos, padres e leigos cada vez mais distantes da vida do povo mais sofrido. Encastelaram-se em suas moradias e sacristias, passando de uma vida sacramental para um sacramentalismo vazio e desconexo. A sede do carreirismo e do poder tomou conta da prática destas lideranças, fazendo corar de vergonha e inveja os mestres da Lei e fariseus do tempo de Jesus. Não se sabe o que está errado na formação dos novos sacerdotes, mas estes se comportam da mesma forma que aqueles que Jesus está criticando no texto do evangelista Mateus no dia de hoje. Talvez para estes seja indicada a leitura de um dos livros escritos pelo Frei Clodovis Boff, OSM, “Evangelho do Poder Serviço” (1984). Os fariseus de hoje presentes na Igreja são aqueles que o Papa Francisco assim os definiu: “hipócritas, moralmente rigorosos, atentos às aparências na religião, ritualísticos, até mesmo inimigos de Jesus”.
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