Penúltimo sábado da Sexta Semana do Tempo Comum.
O tempo de Deus (Kairós) vai se fazendo dentro de nós e na história do cronos humano. Deus se manifestando em nossas vidas nas suas multifacetadas formas. O Deus que é amorosidade, ternura e compaixão, vindo até nós na pessoa do Filho, nos fazendo enxergar a manifestação da realidade dos outros filhos e filhas que fazem parte conosco da grande família humana que somos.
Um sábado chuvoso aqui pelas bandas da capital matogrossense. Foi assim a noite toda, adentrando também a manhã, com São Pedro aproveitando para dar o seu “grito de carnaval”. Um frio atípico para esta etapa do ano desta “Cuiabrasa”.
A odisseia que se transformou a minha viagem para chegar até aqui, desviou o pensamento e acabei me esquecendo de trazer presente ontem a memória do meu saudoso conterrâneo, Darcy Ribeiro (1922-1997). No dia de ontem, ele virou um encantado, realizando a sua páscoa. Antropólogo, historiador, sociólogo, escritor, Darcy fez história, sobretudo em meio aos povos indígenas, na sua luta incansável de nos fazer pensar e escutar a realidade. Contribuiu enormemente para o pensamento brasileiro.
Darcy Ribeiro, um homem à frente de seu tempo. Sua vida fala por si, muito embora ele mesmo tenha dito em letras garrafais: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Somos seres comunicantes, dizia-nos Paulo Freire. Aprendentes e ensinantes simultaneamente. Darcy, um dos “freireanos” mais ilustres que tive o prazer de conhecer. Através dele, com seus escritos, passei a enxergar a realidade dos povos indígenas com o olhar antropológico. Uma viagem sem volta ao mundo dos saberes ancestrais, fazendo da causa indígena o meu jeito de ser.
Somos seres da fala. O nosso ser racional nos leva ao universo do pensamento. Se todos os seres da natureza somos comunicantes, o humano que há em nós, nos faz pensantes. Todavia, o desafio maior do nosso ser pensante, é exercer com eficácia a pedagoga da escuta. É desta forma que a liturgia deste sábado nos provoca, motivando-nos a conjugar a escuta em todos os tempos verbais.
Hoje o evangelista Marcos nos coloca no cenário da transfiguração de Jesus. Uma teofania que nos faz antecipar a Ressurreição do Senhor. Deus mesmo se fazendo presente, juntamente com Elias e Moisés, tendo por testemunha a presença de Pedro, Tiago e João. Mais do que enxergar a realidade teofânica da transfiguração, eles são desafiados a exercer a escuta atenta: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9,7)
Escutar a voz de Deus é escutar a nossa voz interior. Escutar a voz que vem do coração. Escutar a voz interior é escutar a manifestação de Deus que se faz presente na história dos filhos seus. A voz de Deus nos falando através do clamor dos empobrecidos. Esta voz de Deus mostra que, daqui por diante, Jesus é a única autoridade. Todos os que ouvimos o convite de Deus e seguimos a Jesus até o fim, começamos desde já a participar da sua vitória final, quando também com Ele haveremos de Ressuscitar.
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