Quarta feira da quinta semana do tempo comum.
O mês vai se fazendo em dias, nos colocando dentro deles, em forma de realizações pessoais, nas relações com as demais pessoas. Somos seres de sociabilidade. Nenhum de nós nasceu para si mesmo, ou para viver isoladamente. Realizamos-nos na medida em que vamos interagindo com o outro. É assim com a criança desde os seus primeiros anos de vida, e perpassa todo o nosso existir em sociedade. Já nos dizia o poeta e religioso inglês John Donne: (1572-1631):”Nenhum homem é uma ilha”.
Somos seres de razão e emoção. Uma cabeça que pensa e um coração que sente. Razão e emoção caminham lado a lado durante todo nosso existir. Vivemos na busca constante do equilíbrio entre a cabeça que pensa e o coração que dita as regras das emoções. Um não pode ignorar o outro sobrepondo as normas de conduta. Ambos se completam numa perspectiva mental e racional saudáveis. O segredo da vida talvez esteja exatamente no dialogo permanente entre a razão e o sentimento. Feliz daqueles e daquelas que encontram o ponto de equilíbrio entre razão e emoção para viver com leveza e tomar boas decisões cabíveis necessárias, muito embora, nos dizia o filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662): “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.
Para o povo semita, o povo da Bíblia, o coração era a mente e, portanto, a fonte central dos pensamentos. Para eles, falar no coração significava pensar. Contrariando o filosofo Descartes, “Penso, logo sou coração!” O coração como lugar do “raciocínio”. Desta forma, a ética bíblica girava em torno do conceito que eles tinham da palavra “coração”. Assim, a sabedoria advinda do coração denotava a capacidade mental/intelectual de tomar as decisões acertadamente no tempo devido. Esta compreensão bíblica nos ajuda enormemente a entender sobre o conceito de pureza/impureza, pecado e purificação.
Mente e coração caminhando no compasso do conhecimento, da verdade e da ciência. Somos seres letrados e que necessitamos apropriar cada vez mais do conhecimento, como forma de fazer a nossa vida acontecer neste mundo. Uma boa leitura nos coloca diante do conhecimento. Todavia, como o nosso mundo é regido pelas regras da cibernética, nem, sempre esta nos provê de conhecimentos, uma vez que somos bombardeados por uma avalanche de informações. Cabe-nos exercer a filtragem de tantas informações, apropriando apenas daquilo que nos servirão como fonte de conhecimento. Conhecimento nos liberta e nos faz construtores de nosso processo histórico.
Ao contrário do povo bíblico, nós ocidentais somos mente e coração. A cabeça que pensa e o coração que sente, quase que dissociados um do outro. Como somos seres “aprendentes”, o ato de apropriar do conhecimento está intimamente ligado à cabeça que pensa. Quase sempre fazemos isto através da leitura. Uma boa leitura nos faz conhecedores de nós mesmos e também do outro. Uma forma de libertar-nos de nossa ignorância interior. Ler faz bem para o coração e para a mente. Quem lê mais, sabe mais! Conhecer e aprender através da leitura se faz dentro de um processo continuo rumo ao amadurecimento. Posso afirmar sem medo de errar que sou o que sou e quem sou, em virtude das leituras que fui fazendo ao longo do meu existir. Neste sentido, sou obrigado a concordar com o jornalista americano John Kieran (1892-1981): “Eu sou parte de tudo aquilo que li”.
Na liturgia de hoje, continuamos com a celeuma puro/impuro, provocada pelos fariseus e mestres da Lei. Jesus foi categórico: “O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior”. (Mc 7,15) Para Jesus, está mais do que claro, que o que vem de fora não torna uma pessoa pecadora, e sim aquilo que sai de seu interior, seu coração, morada das decisões. Jesus mantendo a compreensão bíblica a respeito do coração, promovendo assim uma nova ética e moralidade. Com isso, Ele dá um basta na lei sobre a pureza e impureza (Lv 11), cuja interpretação era o fundamento de uma sociedade injusta e desigual, baseada em tabus que criavam e solidificavam diferenças entre as pessoas, gerando privilegiados para alguns poucos, e marginalizados, opressores e oprimidos em sua grande maioria.
Para o cristão que, de fato, segue a Jesus de Nazaré, o coração é a morada de Deus. Deus quer fazer morada em nossos corações, mas não arromba as portas do coração de quem quer que seja. A iniciativa desta morada parte de Deus, mas a decisão é de cada um de nós. Jesus quer entrar na casa do nosso coração, para fazer de nós pessoas puras. Não de uma pureza ritualista, moralista, mas a partir das entranhas de nosso interior. Sentir a presença de Deus em nós para que sejamos presença viva d’Ele nas nossas relações cotidianas. Deus vibrando em nosso coração, para que tomemos as decisões necessárias, que sejam construtoras de seu Reino entre nós. Afinal, como diria Pascal: “É o coração que sente Deus e não a razão”.
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