Domingo da Transfiguração do Senhor. Um domingo especial para a nossa caminhada de Igreja. A Transfiguração está entre as grandes festas e solenidades da Igreja, através dos relatos dos Evangelhos Sinóticos (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36). Como o ciclo litúrgico em que estamos vivendo é o Ano A, coube-nos a reflexão oriunda da comunidade de Mateus. Cada qual deles trata deste episodio, guardadas as devidas especificidades de cada um dos três evangelistas, numa junção do Antigo Testamento (Leis e os Profetas), com a vinda do Messias, o Filho de Deus encarnado.
Por aqui estamos em plena vivência da Terceira Semana Pedro Casaldáliga (05 a 08/08/2023). Três anos se passaram da sua páscoa, e aqui vamos tentando dar prosseguimento ao seu legado, de viver uma Igreja Povo de Deus, identificada com as causas dos pequenos, posseiros, indígenas, ribeirinhos. “Nossas causas valem mais que as nossas vidas”, inspiração maior de Pedro que deu a sua vida como dom e serviço ao Reino de Deus. Ele está vivo em todos aqueles e aquelas que colocam no seu horizonte possível o projeto revolucionário de Jesus de Nazaré com resistência e teimosia, esperançando na justiça do Reino. Pedro vive! Seu sonho não será esquecido jamais!
O texto de hoje da liturgia nos coloca no cenário com Jesus numa montanha, em que o Mestre convida três dos seus discípulos para estar ali com Ele. Não se trata de alguns privilegiados na relação de Jesus com o seu discipulado, mas aqueles que demonstravam maior resistência em aceitar Jesus como o “servo sofredor” (Is 52,13-53.12), uma vez que, o projeto de Messias que aguardavam, era o de um rei triunfante, todo poderoso, que fizesse o enfrentamento da politica nefasta do poderio do Império Romano de espada em punho. Além de dois deles, desejarem um lugar de destaque diante dos demais discípulos, cumprindo assim o desejo da mãe deles: “Ordena que no teu Reino estes meus dois filhos se assentem um à tua direita, e o outro à tua esquerda”. (Mt 20,21)
A montanha, mais do que um lugar físico, geográfico é o lugar teológico do encontro de Deus com os seus, desde o Antigo Testamento. Lugar da manifestação de Deus (Teofania). Foi assim com Moisés (Ex 19,24), e é assim que acontece também com Jesus. Há toda uma riqueza de simbologia neste contexto narrado pelo evangelista Mateus. Na cena da transfiguração, juntamente com Jesus e parte de seu discipulado, estão também Moises e Elias, representando a Lei e os profetas. Desta vez, Deus não fala com os seus, a não ser para confirmar que, de agora em diante, Jesus tem a primazia de conduzir a missão, falando em nome de Deus: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!” (Mt 17,5)
Pedro não entendera nada de toda aquela simbologia presente ali na cena e tenta desviar o foco, propondo a permanência deles ali, ignorando toda a realidade presente nos desafios da vida cotidiana, no conflito da sociedade e nos embates para fazer acontecer o Reino querido por Deus na dialética da história. Uma atitude comodista de quem quer se eximir da responsabilidade de encarar a vida de frente. Pedro trazia em si a tentação de conviver com um Messias sem passar pela experiência da cruz, contrariando assim a proposta de Jesus: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”. (Mt 16,24) .Ou seja, a morte de cruz era reservada a criminosos e subversivos. Quem quer seguir a Jesus esteja disposto a se tornar marginalizado por uma sociedade injusta (perder a vida) e mais, a sofrer o mesmo destino de Jesus: morrer como subversivo (tomar a cruz).
A Transfiguração de Jesus é um sinal daquilo que estava reservado à Jesus, já que Ele era a testemunha Fiel. Todavia, a vida e ação d’Ele não terminam na sua morte. A transfiguração é sinal claro da Ressurreição: a sociedade não conseguirá impedir a pessoa e a atividade de Jesus, que irão continuar através daqueles e daquelas que o seguirem fielmente. A voz de Deus é um sinal claro, mostrando que dali por diante, Jesus é a única autoridade. Todos os que ouvem o convite de Deus e seguem a Jesus até o fim, começam desde já a participar da sua vitória final, quando ressuscitaremos com Ele. O comodismo, o conformismo e a covardia são palavras que não podem existir no dicionário dos que se põem a caminhar no seguimento de Jesus. O desafio que se coloca é substituir a intenção de Pedro “é bom ficarmos aqui”, pela atitude decisiva e corajosa de “é bom estarmos na luta aqui no chão embaixo”.
Comentários