Segunda feira da Segunda Semana da Quaresma. Enquanto entramos na segunda metade do mês de março, sigamos em frente com o nosso processo de conversão. Mais do que uma mudança de sentimentos, precisamos abraçar radicalmente uma transformação do nosso jeito de ser, pensar e agir, sobretudo diante do cuidado que devemos ter com a nossa Casa Comum, como nos pede a Campanha da Fraternidade deste ano. Não dá mais para ficarmos indiferentes diante deste desastre descomunal que a humanidade está provocando na nossa Mãe Natureza. Converter-nos à Ecologia Integral é preciso! Sigamos com este propósito, rezando com a oração da CF/2025: “Faz de nós, ó Deus, promotores da solidariedade e da justiça. Enquanto peregrinos, habitamos e construímos nossa Casa Comum, na esperança de um dia sermos acolhidos na Casa que preparaste para nós no Céu.
Amém!”

Iniciei a minha semana ainda muito cedo, rezando na companhia de nosso bispo Pedro. O túmulo do profeta, mais que um lugar de visitação turística, é o espaço de uma mística revolucionária, como foi a vida deste grande homem de Deus. Está bem acompanhado, já que escolheu ser sepultado ao lado de uma prostitua e um peão de fazenda, ambos assassinados a mando do latifúndio. Pedi a sua intercessão a Deus pelos/as amigos/as, mas também pela nossa democracia, cada vez mais ameaçada pelas forças demoníacas da “cadela do fascismo”. Rezar ali encheu o meu coração de esperança para dar continuidade aos trabalhos da semana. Não de uma esperança de quem sentado espera, mas como ato de rebeldia, como ele mesmo insistia conosco.

Iniciei a minha rotina de trabalho com os povos indígenas recordando uma das obras do sociólogo e teólogo Peter L. Berger (1929-2017). No dia de hoje, os austríacos via nascer em Viena, este grande personagem de sua intelectualidade. Recordei dele por causa de uma de suas obras que muito me marcou. Li avidamente “A Construção Social da Realidade”. Um tratado de Sociologia do Conhecimento, publicado em 2004 pela Editora Vozes, Rio de Janeiro. Foi este livro que muito me ajudou a entender a partir de dentro o funcionamento da sociedade capitalista e suas contradições, no que tange a falta de valorização do ser humano como um todo. Na linha do Concílio Vaticano II (1962-1965), dizia ele: “Mais importante do que indagar o que o homem moderno tem a dizer à igreja é perguntar o que a igreja tem a dizer ao homem moderno”.

É nesta mesma linha, que somos desafiados no dia de hoje a pensar a nossa existência a partir dos ensinamentos de Jesus, que o texto do Evangelho de Lucas nos propõe para a nossa reflexão. Três versículos apenas, mas que carregam uma densidade teologal muito grande, no que diz respeito às nossas relações interpessoais. O desafio primordial no seguimento de Jesus está condensado nesta proposta provocativa de Jesus: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. (Lc 6,36) Ter em nossa vida a mesma misericórdia de que está cheio o coração de Deus. Etimologicamente, a palavra misericórdia tem origem latina e é formada pela junção de “miserere” (ter compaixão), e “cordis” (coração). “Ter compaixão com o coração”. Ou seja, significa ter a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa está sentindo, aproximando os sentimentos em formato de solidariedade.

Se em Lucas Jesus nos convida a sermos misericordiosos como Deus, em Mateus esta mesma proposta vem com outras palavras: “sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu”. (Mt 5,48) Ambos os textos caminham numa mesma direção, já que todos os ensinamentos de Jesus abrem uma perspectiva do relacionamento humano para além das fronteiras que costumamos construir entre nós humanos. Para tanto, precisamos agir com os outros de tal maneira que sejamos capazes de não ficar julgando as pessoas, de saber amar para que exercitemos os gestos concretos de saber perdoar, pois será desta mesma maneira que seremos tratados por Deus: “Com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. (Lc 6,38)

Deus nos dá uma grande chance de sermos como Ele é: amoroso, misericordioso, perfeito, compassivo. Se somos a sua imagem e semelhança, isto nos permite aproximarmo-nos de sua divindade ternural. Por outro lado, se rejeitarmos esta proposta e nos afastarmos desta sua lógica de amor, apesar da sua amorosidade infinita, Ele nos julgará com a mesma medida que usarmos para os outros. Sem falar que a rigorosidade que usamos no nosso julgamento sobre o outro, mostra que desconhecemos completamente a nossa própria fragilidade e a nossa condição de pecadores diante de Deus. Este texto de Lucas de hoje revoluciona completamente o campo das nossas relações humanas, mostrando que, na nova sociedade desejada por Deus, onde prevalecerá a justiça e a fraternidade, as relações devem ser gratuitas, à semelhança do amor misericordioso do Pai. A misericórdia na medida do Pai.