Quinto Domingo da Quaresma. Já estamos quase lá. No próximo domingo já estaremos celebrando a Solenidade do Domingo de Ramos, iniciando assim mais uma Semana Santa, rumo à Páscoa. Nossa caminhada segue em frente, com o propósito de busca de nossa conversão, que São Paulo definiu assim em uma de suas cartas: “Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade”. (Ef 4,22-24) A conversão é um processo contínuo. Começa no batismo e vai até o fim da nossa passagem por aqui. Conversão da mentalidade, do jeito de ser, pensar a agir neste mundo, permitindo que a generosidade e misericórdia de Deus ocupe espaço em nosso coração.
Um domingo em que o Lecionário Litúrgico nos possibilita refletir com um texto bastante conhecido do Novo Testamento: a mulher surpreendida em adultério trazida até Jesus. Neste domingo, fazemos uma pequena interrupção no Evangelho de Lucas, que vínhamos refletindo no 1º, 2º, 3º e 4º domingos passados, deste tempo quaresmal, recorrendo agora ao Evangelho da comunidade Joanina. Se Lucas é o evangelista por excelência da misericórdia e da valorização das mulheres, hoje vamos ver que esta perícope escolhida, não foge também desta característica misericordiosa de Deus em Jesus. Deus é amor e misericórdia em pessoa, e Jesus também o é, refletindo em seus ensinamentos e práticas, este jeito de Deus ser.
O texto de hoje requer de nós, seus leitores, uma hermenêutica que nos ajude a entender melhor o texto dentro de seu contexto originário. Assim sendo, nunca devemos nos esquecer de que, um texto for de seu contexto, é mero pretexto para reforçar, ou justificar, as nossas convicções e interesses obtusos subjacentes. Lembrando que a palavra Hermenêutica é de origem grega e significa a arte ou técnica de interpretar e explicar um texto dentro do contexto. Ainda que tal palavra esteja presente na filosofia e também na filologia (linguística), o seu sentido original está relacionado com a Bíblia, consistindo na melhor compreensão das Escrituras e assim entender a Palavra de Deus e, consequentemente, a vivência dela no dia a dia de nossa caminhada de fé.
Jesus está em Jerusalém, participando da principal festa dos Judeus: a Festa das Tendas. Depois de sua costumeira oração no Monte das Oliveiras, Ele vai ensinar com autoridade no Templo de Jerusalém. Ali, naquele contexto, uma pobre e assustada mulher lhe é trazida, depois de ser pega em flagrante adultério. Na verdade, se tratava de uma cilada tramada pelas autoridades religiosas (mestres da Lei e fariseus), só para ver qual seria a atitude de Jesus, diante daquele crime punível com a pena de morte (apedrejamento), conforme a Lei de Moises: “Se um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, tanto o homem como a mulher. Desse modo, você eliminará o mal de Israel”. (Dt 22,22) Homem e mulher eram passiveis de punição pelo crime cometido.
Por fazer parte do grupo das pessoas marginalizadas, Jesus tinha um carinho especial pelas mulheres. Embora não apareça nos relatos bíblicos, elas também faziam parte integrante do grupo do discipulado de Jesus. Por se tratar de uma sociedade extremamente machista e patriarcal, onde a mulher não gozava de nenhum prestígio e nem valor social, trazem apenas a adúltera, sem o adúltero que, com ela, cometera o mesmo crime. Possivelmente, o adúltero estivesse ali presente, com uma pedra na mão, pronto para executar sua companheira de crime. Só que o tiro sai pela culatra, uma vez que Jesus não cai naquela cilada, mas usa de toda a sua pedagogia libertadora, devolvendo a eles a decisão final pelo ato: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. (Jo 8,8) Não que Jesus estivesse conivente com o pecado cometido, mas para Ele, mais importante que qualquer pecado é a misericórdia de quem sabe perdoar sempre: Deus.
Jesus relativiza a Lei de Moisés, pois para Ele, a pessoa humana está acima de qualquer lei. Ninguém pode julgar e condenar ninguém, pois todos e todas somos pecadores. O próprio Jesus não veio para julgar quem quer que seja, pois o Pai não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva, como o próprio profeta Ezequiel, já havia dito em seus escritos: “Por acaso, eu sinto prazer com a morte do injusto? O que eu quero é que ele se converta dos seus maus caminhos, e viva”. (Ez 18,23) Deus não se compraz com a morte do pecador, mas se alegra com a sua atitude de volta, redimido de seus pecados. Jesus revelando assim o rosto amoroso e misericordioso de um Deus que é vida em plenitude. A conclusão final do texto de hoje mostra claramente a opção de Deus pelos pequenos, pobres e marginalizados, como aquela mulher: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”. (Jo 8,11) De adúltera, ela passa ao protagonismo do amor misericordioso de Deus, sempre aberto a perdoar, desde que reconheçamos a nossa pequenez e fragilidade diante deste amor maior.
Comentários