As quatro palmeiras pareciam fantasmas se mexendo na minha frente. Ao vento leve, fachos de luzes, ao fundo, como olhos que se abriam e fechavam me olhando.
Lá dentro, a luz forte acendia a mente do idoso e aquecia o seu coração.
Todas as madrugadas estava ali rezando, ouvindo os pássaros acordando o sol.
Certo fim de noite, saí de casa, quietinho, para juntar mangas no quintal e vi aquele vulto de joelhos com as mãos encostadas na sacada de sua janela.
“E aí, meu velho amigo? Que fazes? Pensamento distante, não é?”
Sem responder, identificou-se como se imaginava naquele momento. “Sou um bicho, entre os espinhos, sou o Bicho Folharal, olhando esse quintal”.
Parei para conversar. Muito difícil lembrar de cada palavra daquela sábia cabeça que pronunciou para mim, em voz baixa, seu encanto pela floresta, pelas folhagens das beiras dos rios. Ramagem que bebia água e sinalizava para onde ia a corrente.
Reproduzo o que me impressionou de seu lamento de dor, saudade e arrependimento, que me fazia lembrar a corredeira dos rios e os caminhos da floresta, por onde também naveguei e pisei.
Vou relatar apenas 3 lamentos que mais me impressionaram. Ele ali estava, num clarão de arrependimento pelo pouco que fez para preservar as matas e os animais silvestres.
1. “Minha casa no alto do barranco, via o sol nascer. Mas era a primeira a sentir o céu escurecer, quando chegava a noite ou aproximar-se o temporal.
Assim, sinto-me aqui. Longe de tudo, e chorando porque fiz muito pouco para preservar a beleza das matas. Derrubei com machado e com moto-serra os pés de andiroba que meu avô plantou. Muita cura aquele óleo me deu!”.
2. “Você sabia que ensinei para os barcos de pesca o caminho do lago para ganhar uns trocados e uma simpatia. Veio a fome, aumentaram a distâncias para pegar o peixe. O lago foi peneirado pelas redes gigantes com aquele tipo de pesca”.
3. “Um compadre veio buscar andirobas para tirar óleo e eu acabei brigando porque me acusou de traidor. E ainda disse que eu matava peixe boi pequeno, pegava araras para vender as penas”.
Daí, conversei com meu amigo “Bicho Folharal” das avessas. Escutei mais do que falei e vi lágrimas brilhando no seu rosto. Era arrependimento pelo pouco que tinha feito em favor da vida na floresta.
Bicho Folharal às avessas, porque a lenda diz que esse animal é um também vegetal. Seus braços são galhos fortes que espantam os madeireiros, suas pernas são troncos de árvores que se movimentam onde os devastadores chegam para abrir lareiras e fazer pasto. O legítimo bicho Folharal é protetor e zelador dos igarapés, cuidador dos peixes em reprodução e curador com os remédios das plantas.
Enxuguei as lágrimas do meu amigo que pedia perdão. “Escreve para mim essa passagem triste de minha vida”. Escrevi e aqui está.
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