Quinta feira da Décima Semana do Tempo Comum. Celebramos hoje a Festa de Santo Antônio de Lisboa, ou de Pádua (1195-1231). Franciscano e doutor da Igreja, realizou a sua páscoa aos 36 anos de idade. Apesar de seu nome de batismo ser Fernando de Bulhões y Taveira de Azevedo, escolheu ser chamado de Antônio, ao ingressar na Ordem Franciscana, no ano de 1220, pela sua admiração profunda a São Francisco de Assis. Tornou-se um exímio pregador, assumindo a condição dos pobres, a exemplo de São Francisco. Seu lema de vida era: “Quem ama não conhece nada que seja difícil”, acreditando no carisma franciscano, de que Deus é Pai de todas as coisas. Suas criaturas são irmãos e irmãs.

Em tempos de “Amizade Social” como quer a nossa Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), acordei e pulei da cama mais cedo para rezar na beira do Araguaia, mais precisamente no túmulo do pastor, poeta e profeta dos pobres do Araguaia. O cenário franciscano emoldurava o amanhecer, com uma dezena de araras azuis fazendo revoada sobre as enormes árvores que sombreiam o cemitério. Aproveitando do belo coral sinfônico do tagarelar uníssono das araras, rezamos juntos em louvor a Santo Antônio, pedindo ao mesmo e a Pedro, que intercedessem ao Pai, pelos meus amigos e amigas, distantes geograficamente, mas entranhados em meu coração afinal, como nos diz Mateus: “Vós Somos todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8)

Meu coração amanheceu com um espírito saudoso. A melancolia veio de vez habitar os meus pensamentos. Tudo porque, na noite de ontem, fui dormir com a imagem de Dom Cláudio Hummes (1934-2022). Tudo por causa do encontro que tivemos por aqui no ano de 2017, quando ele veio preparar-nos para o Sínodo da Amazônia. Inicialmente, não se lembrara de mim, mas quando mencionei que foi ele que me ordenou diácono, deu aquele sorriso e disse: “Chico, é você? Vinte e nove anos depois, nos encontramos, eu que trabalhara com ele em sua diocese, morando numa favela em Mauá, cursando a teologia, à luz de Puebla (1979) e sob a batuta daquele bispo revolucionário, profundamente identificado com a luta os metalúrgicos do ABC paulista.

Amigos e amigas são como estrelas que iluminam nossos dias mais sombrios. Amizade Social que nos faz caminhar com aqueles e aquelas que se juntam às nossas mãos, tendo a solidariedade fraterna como companheira nas estradas da vida. Amizade com Jesus, o Verbo Encarnado do Pai, que veio estar conosco, mostrando-nos o caminho que conduz ao Reino de Deus. No dia de hoje Ele ensina o seu discipulado e a nós, a forma mais correta de viver a Lei antiga. De cara já nos dá a dica para não fazermos como os escribas e fariseus lá de trás, que usavam da Lei para angariar facilidades e privilégios para si e a sua gente, explorando as camadas mais pobres daquela sociedade. Jesus observa para que os seus discípulos ficassem atentos, citando alguns exemplos: “Ouvistes o que foi dito aos antigos … Eu, porém, vos digo”.

Com Jesus, a ótica principal que devemos ter sobre a Lei é o amor incondicional e gratuito e a prática da justiça. Viver a Lei prescrita lá no Antigo Testamento, é atualizar o seu contexto dentro da perspectiva das novas relações que vamos construindo, tendo como pano de fundo a edificação do Reino de Deus entre nós. Em relação ao ódio e a indiferença, por exemplo, quem se deixa dominar pela ira e pelo desprezo aos outros, não está em condições para oferecer sacrifícios de ação de graças nas celebrações das comunidades onde participa. Contradição a ser superada por uma fé coerente, tendo em nós o mesmo sentimento de Jesus para com os seus.

“Quero a misericórdia, e não o sacrifício”. (Mt 9, 13) A vivência da Lei pressupõe um coração que seja regido pelas coordenadas do amor, do perdão, da misericórdia e da compaixão. Tudo isso dentro de um clima de reconciliação permanente conosco mesmos e com os nossos irmãos e irmãs. Mesmo ofendido e inocente, o/a discípulo/a de Jesus deve ter a coragem de dar o primeiro passo para reconciliar-se: deixa a tua oferta ali diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão”. (Mt 5,24) Caso sua consciência acuse, procure urgentemente a reconciliação, porque sobre a sua culpa recai um julgamento. Na mesa da partilha, só há lugar para quem sabe partilhar. Partilhar a vida em todas as dimensões, quiçá fazendo nossas as palavras de nosso bispo Pedro, declamadas em um de seus poemas, que gosto muito: “Unidos no pão os muitos grãos, iremos aprendendo a ser a unida Cidade de Deus, Cidade dos humanos. Comendo-te, saberemos ser comida”. (Meu corpo é comida – Pedro Casaldáliga)