Quarta feira da Terceira Semana da Quaresma. Período litúrgico propício para a introspecção, fazendo jus também a Lua Minguante, que estamos vivendo neste 85º dia do ano. Como sugere este período lunar, é tempo de reflexão e recolhimento para melhor nos cuidarmos. Cuidar do corpo e da mente, para que possamos encarar de frente o processo de mudança, a que somos desafiados, especificamente no período da Quaresma. Dentro em breve, iremos celebrar a Páscoa do Senhor. Para lá chegar preparados, precisamos assumir que há muito a ser mudado nas nossas ações, compromissos, como forma de viver coerentemente a nossa fé, irmanados a Jesus. Como nos diria o filosofo iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804): “Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço”.

De alemão para alemão. A data de hoje, marca a despedida de uma dos maiores personalidades que a história da música clássica já conheceu. Falecia em Viena, na Áustria, Ludwig van Beethoven, (1770-1827), compositor e pianista alemão. Beethoven é uma das figuras mais emblemáticas e reverenciadas na história da música ocidental. Suas obras estão entre as mais executadas do repertório da música clássica, abrangendo a transição do período clássico para a era romântica. Mineiro desconfiado que sou, só fui conhecer esta personalidade musical, nos meus estudos no Seminário Santo Afonso, em Aparecida/SP, graças as aulas do Padre Ronoaldo Pelaquin, nos três anos de Ensino Médio, chamado à época de Colegial. Acordávamos pela manhã ao som da Nona Sinfonia de Beethoven.

Toda mudança começa com o prévio sim que damos a nós mesmos, na busca por esta mudança que queremos ser. Mudar é preciso, para melhor sermos: mais íntegros; mais amorosos; mais coerentes; mais adequados a uma fé verdadeira. O grande líder espiritual e ativista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), dizia que “temos de nos tornar na mudança que queremos ver“. Os fariseus do tempo de Jesus e, quiçá os de hoje, é que esperam a mudança dos outros, mas eles mesmos não se movem nesta mesma direção. Bem que Jesus já havia cantado a pedra a respeito das atitudes desta gente: “Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los”. (Mt 23,4)

O texto que a liturgia nos proporciona refletir no dia de hoje, nos ajuda a entender melhor e com mais clareza este processo de mudança, ao qual devemos assumir para a nossa vida cotidiana. Voltando ao Evangelho de Mateus, vemos Jesus mais uma vez, ensinando e preparando os seus discípulos: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. (Mt 5,17) Jesus faz questão de estar em plena sintonia com a Lei e os profetas do Antigo Testamento. Entretanto, Ele dá uma nova roupagem à interpretação desta Lei, insuflando nela a misericórdia, e assumindo o compromisso com a pessoa humana, que está muito acima de qualquer Lei: “O sábado foi feito para servir ao homem, e não o homem para servir ao sábado”. O Filho do Homem é senhor até mesmo do sábado”. (Mc 2,27-28)

Jesus dá um sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas. Na compreensão d’Ele, só é bom aquilo que faz a pessoa humana, o outro, crescer e ter mais vida. Portanto, toda lei que oprime a pessoa é lei contra a própria vontade de Deus, e deve ser afastada das nossas relações. Para Ele, a melhor forma de cumprir a Lei é adotar o critério da misericórdia divina. Vivenciar e praticar a lei, é deixar-nos tomar pela misericórdia. Neste sentido, seguir a Jesus mais de perto não significa a mesma coisa que cumprir normas e preceitos devocionais, mas usar de misericórdia em todas as situações de nossa relação com os outros. Um coração que sabe amar, movido pela misericórdia, é mais salutar e generoso que aquele que só sabe cumprir leis.

A lei da justiça com misericórdia. Concluindo este ensinamento de Jesus, Ele também está dizendo a cada um de nós, que a lei não deve ser observada simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela realiza de justiça. Cumprir a lei fielmente não significa subdividi-la em observâncias minuciosas, criando estruturas escravizantes e desumanas. Para Jesus, toda lei precisa estar aliada à justiça e a misericórdia. Significa, antes de tudo, buscar nela inspiração para a justiça e a misericórdia, a fim de que a pessoa tenha vida e relações mais iguais, humanas e fraternas. Este texto escolhido pela liturgia para hoje omite o versículo seguinte e que faz todo sentido na conclusão da fala de Jesus: “Com efeito, eu lhes garanto: se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu”. (Mt 5,20).