A infinitude do perdão (Chico Machado)

Quinta feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum. A segunda quinzena de agosto vai se desbravando numa situação climática bastante difícil aqui pelas bandas do Araguaia: fumaça, poeira e calor. A humidade chega aos nossos pés. Mesmo ainda com tanto vento, há alguém para colocar fogo em algum lugar. Queima-se tudo, inclusive os ninhos de muitos pássaros. A sorte é que a nossa reserva aqui da cidade, ainda permanece protegida (não sabemos até quando), fornecendo a agua para nós e alguns alimentos para os outros seres habitantes dali.

Hoje, um número está em evidência. O número sete sempre chamou a atenção do povo semita. Para o judaísmo, este número possui um papel de importância fundamental. Para a cultura judaica, ele é considerado o número da perfeição e da plenitude ao mesmo tempo. A fonte principal judaica é o Livro do Gênesis 1, ao relatar que Deus criou o mundo em 6 dias e descansou no sétimo, consagrando-o como dia santo conhecido como Shabbat. (sábado), que é considerado o “dia do descanso”, sendo dedicado exclusivamente ao equilíbrio da harmonia das famílias com Deus. O Cristianismo absorveu esta tradição. Na Bíblia, o número 7 aparece dezenas de vezes, simbolizando a plenitude e a perfeição divina.

Os discípulos de Jesus também tinham estes conhecimentos e procuravam vivê-los no dia-a-dia. Talvez tenha sido esta a razão que, no início do texto do evangelho de hoje, Pedro pergunta para Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21) Diante de tal pergunta, a resposta de Jesus é categórica: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. (Mt 18,22). Jesus fazendo uso de uma expressão hebraica que simboliza um número infinito de vezes. Tudo para mostrar para seus discípulos que não há limites para a prática do perdão. As fronteiras do perdão ultrapassam a nossa visão racional intelectual, mostrando que devemos perdoar nossos irmãos e irmãs repetidamente, sem limites, assim como Deus nos perdoa sempre.

Não é fácil estarmos sempre prontos a perdoar. Há situações que mostram claramente a nossa dificuldade de exercer o perdão. Todavia, é preciso que fique claro que perdoar não significa esquecer ou tolerar o mal, mas é um ato pleno de amor, compaixão e, sobretudo, misericórdia. O simples ato de perdoar já nos liberta do peso do ressentimento, do rancor, da raiva e da amargura, e nos permite experimentar a paz interior e a reconciliação com Deus e com aqueles que convivemos no dia-a-dia. Diante do perdão dado de coração aberto, nos lembramos de que somos todos pecadores e dependentes da graça divina.

Deus é amor, mas também misericórdia, justiça e perdão! Ele é sempre justo e nunca age de forma desonesta, retribuindo a cada um de nós, aquilo que é digno. Um Deus que age pela amorosidade, misericórdia e compaixão. Ele que é amor em plenitude e que muito nos ama e perdoa sempre, infinitamente. Um Deus que não leva em conta os nossos erros, mas a nossa capacidade de reconhecer os desvios da rota e buscar o caminho de volta. A experiência nos mostra que, quanto mais distantes de Deus estivermos, mais errantes e pecadores nos sentimos. O contrário também é verdadeiro, pois a proximidade com Ele nos faz ver sua grandeza diante da nossa pequenez.

Quem ama sabe perdoar! Quem não perdoa não sabe o que é amar! O perdão está na essência do ser cristão. Jesus, através do evangelista Mateus nos dando uma aula sobre a pedagogia do perdão. A dinâmica do ato de perdoar é conseguir perdoar quantas vezes forem necessárias, ou seja, infinitamente. Para Jesus, não existe limite para o perdão. O limite do perdão é o perdão sem limite. Perdoar sempre assim como Deus também nos perdoa infinitamente. Perdoar não é esquecer os erros, mas saber que maior que qualquer erro é a graça divina presente no ato de quem perdoa: “onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça”. (Rom 5,20) O dom de Deus presente no ato de perdoar supera de longe qualquer erro, qualquer pecado das pessoas. O perdoar faz bem ao perdoado, mas principalmente a quem tem a nobreza de saber perdoar. Assim como o verdadeiro arrependimento brota do fundo do coração, o perdoar também tem a sua origem num coração que muito ama.

Numa sociedade de amor, de perdão não há espaço para a opressão. Não cabe dentro dela o opressor. Mas ele insiste em querer continuar construindo a sociedade da desigualdade. Como então amar e perdoar o opressor nesta mesma lógica de Jesus? Aqui cabe um dos raciocínios desenvolvidos pelo nosso grande educador Paulo Freire que dizia: “Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão”. Assim, amar e perdoar o opressor exige fazer com que ele deixe de ser quem é: opressor.

Luiz Cassio

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