Quarta feira da quinta semana da quaresma.
Seguimos na caminhada cristã com o imperativo da necessidade de buscar a nossa conversão. Conversão no mais profundo de nosso ser. Conversão que é uma decisão individual, pessoal. Um processo e não apenas um acontecimento isolado, como num passe de mágica. Buscar a nossa “metanoia”, palavra de origem grega “meta” (além) acrescida do termo “noos” (mente) que quer significar arrependimento, mudança do modo de viver, ser e pensar, sob uma nova perspectiva de enxergar a vida. Conversão como um processo constante e crescente, mudando a própria natureza do ser. Uma ação permanente em busca da vida em plenitude.
Deus nos cria a partir do mais sublime ato de amor. Todavia, viver pressupõe deparar com as contradições históricas de nosso existir. O ser humano nasce sob a égide do amor, mas ao longo do seu ser e estar no mundo, vai adquirindo formas que muitas vezes fogem a sua essência. Apesar de o amor ser o princípio fundante de nosso existir, a ausência dele, nos desumaniza, comportando como o mais o mais vil de todos os seres já criados. Amor e ódio convivem lado a lado no mais íntimo de nosso ser, como bem sintetizou o líder africano Nelson Mandela (1918-2013): “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto”.
O ódio passou a ser a palavra de ordem para uma sociedade que perdeu a sua essência de ser espaço de realização pessoal e coletivamente. Que o diga o padre Wanderson José Guedes, da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no Rio de Janeiro, que está sendo ameaçado por um grupo de católicos fundamentalistas de extrema-direita. Tais ameaças partem diretamente do Centro Dom Bosco (CDB), sem que a autoridade máxima religiosa, tome qualquer tipo de providência contra estes mal feitores em nome da religião, deles. Definitivamente, religião não define caráter.
Também o padre Júlio Renato Lancellotti tem enfrentado dificuldades para continuar o seu trabalho pastoral no atendimento à população de rua, em São Paulo. Dia desses fomos surpreendidos com um vídeo, onde a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo (GCM), tentava impedir a equipe de distribuir as “quentinhas”, saciando a fome deste conglomerado de pessoas, que cresceu assustadoramente nos tempos de pandemia. Uma sociedade que produz a desigualdade social, e ainda assim se revolta contra aqueles e aquelas que tentam ajudar as pessoas em situação de vulnerabilidade. Nestas horas vale-nos pensar como Santo Agostinho: “Não basta fazer as coisas boas, é preciso fazê-las bem.”
Jesus que fazia bem todas as coisas. Com Ele não havia meio termo, meias palavras. Ou era ou não era. Seu ser de Deus direcionava o seu pensar e agir, como o Evangelho detalha para nós, a partir da proposta da liturgia para o dia de hoje (Jo 8,31-42). Desta vez, Ele está às voltas com os judeus que haviam acreditado em suas palavras, mas continuavam sabatinando-o. Desta feita a temática central da conversa era a verdade como princípio de libertação: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. (Jo 8,32) A verdade que liberta é aceitar a vida nova trazida por Jesus, que relativiza tudo aquilo que antes parecia absoluto: riqueza, poder, idéias, estruturas. A liberdade só é possível quando se rompe com uma ordem estrutural, desigual e injusta, que impede a experiência do amor de Deus através do amor às pessoas.
Esta é a condição fundamental para fazer parte do discipulado de Jesus: abraçar a verdade e fazer dela um programa para toda a vida. Não como um discurso chavão, próprio daqueles que apropriam deste versículo, para justificar os seus projetos de sociedade e de vivência adulterada da fé. Ser parte integrante do discipulado de Jesus requer uma adesão firme e consciente ao seu projeto de vida para todos. Não basta conhecê-lo ou dizer que acredita n’Ele. A adesão se faz com toda a vida daquele e daquela que se abre para o novo trazido por Jesus. Não basta ter fé n’Ele, mas é preciso ter a mesma fé d’Ele, e ser um com Ele, onde quer que estejamos. Fácil falar. Difícil de concretizar. A verdade liberta e salva! Não como a verdade paradigmática dos insanos, que a usam como instrumento de dominação e exploração dos pequenos. A verdade trazida por Jesus e aquela que Santo Agostinho assim refletiu: “As pessoas costumam amar a verdade quando esta as ilumina, porém tendem a odiá-la quando as confronta.” Que a verdade trazida por Jesus apodere-se de nós e nos faça construtores de novas relações de amorosidade! O mundo precisa disso. Muito!
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