A IDENTIDADE DE JESUS, POR CHICO MACHADO.

Quinta feira da Quinta Semana da Quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Como o propósito do período quaresmal é o de buscar a conversão, necessário que saiamos do nosso obscurantismo e deixemos que a luz de Deus transforme o nosso interior para que as nossas ações sejam feitas à luz do dia. Em Deus as trevas deram lugar à luz como o evangelista São João assim confirma: “A luz brilha na escuridão e as trevas não conseguiram apagá-la”. (Jo 1,5) Mesmo que andemos pelas incertezas da vida, a luz de Deus se faz presente em nós, apontando o rumo e a direção.

Rezei nesta manhã as margens do Araguaia, contemplando o sol que, timidamente entre nuvens, veio anunciando o novo dia. O rosto de Deus sendo plasmado no brilho dourado do novo amanhecer sobre as águas do Araguaia. A vida sendo renovada com o esperançar de outro dia, onde teremos a chance de escrever a história pelas próprias mãos, com atitude renovada de quem acredita na possibilidade de outro mundo possível. Novo ser. Novas atitudes. Relações renovadas de fraternidade, ternura e compaixão, fazendo jus ao sonho de Deus.

“Por causa de um certo Reino, estradas eu caminhei”. “Balada por um Reino”, esta foi a canção do padre Zezinho que me veio a mente nesta manhã, enquanto eu dialogava com Deus em forma de oração. Fiz uma retrospectiva de minha caminhada pelas estradas do Reino feitas até aqui. Nos bons tempos no seminário, esta foi uma das canções que nos inquietava na busca por uma identidade própria de nosso ser enquanto seguidores dos passos de Jesus. Uma mescla de inocência com o desejo de ser alguém nos planos de Deus. Ali, fui me descobrindo e encontrando comigo mesmo, fazendo a caminhada no compasso dos meus passos.

Hoje sei que possuo a minha identidade própria. Ela se mescla e foi traçada com as ações que fui realizando nos caminhos por onde andei. Caminhos incertos e tortuosos que me trouxeram até aqui. Caminhos percorridos, me fazendo descobrir, a minha causa maior e me identificando com o jeito de ser dos povos indígenas. Por causa de um certo Reino, estou aqui e não saberia ser eu mesmo sem aqui estar. Tudo por causa de um certo bispo, que me fez descobrir ser alguém pelas causas indígenas e pelas quais estou aqui. Como diria o filósofo britânico David Hume (1711-1776): “A memória não tanto produz, mas revela a identidade pessoal, ao nos mostrar a relação de causa e efeito existente entre nossas diferentes percepções”.

Tudo por causa da identidade que precisamos reaver. Identidade que também a liturgia desta quinta feira nos apresenta de Jesus. Mais uma vez, as lideranças religiosas do Templo, tentando desqualificar o ser de Jesus e sua identidade como o enviado do Pai. Jesus que tinha a sua identidade própria, coisa que não ficou muito clara para os judaizantes que viam na pessoa dele um usurpador: “Acaso és maior do que nosso pai Abraão, que morreu, como também os profetas? Quem pretendes ser?” (Jo 8,53) Diante da resistência dos judeus foi necessário que Jesus discorresse sobre a sua origem que já existia desde os primórdios, já bem antes do Pai Abraão.

O texto que nos é apresentado na liturgia de hoje é uma verdadeira aula de teologia ministrada por Jesus aos incrédulos judeus e também a todos nós. Aliás, o Quarto Evangelho, no seu Prólogo, nos traz a introdução do Gênesis (1,1-31; 2,1-4a). Ali está escrito que “no começo, antes da criação, o Filho de Deus já existia em Deus, voltado para o Pai: estava em Deus, como a Expressão de Deus, eterna e invisível. O Filho é a Imagem do Pai, e o Pai se vê totalmente no Filho, ambos num eterno diálogo e mútua comunicação”. Jesus, o Messias, verbo encarnado de Deus na história humana, já existia no sonho de Deus, já bem antes de tudo ser criado.

“Antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci; antes que você fosse dado à luz, eu o consagrei, para fazer de você profeta das nações”. (Jer 1,5) Jesus já fazia parte do sonho de Deus para a humanidade. Foi assim que o profeta descreveu este sonho de Deus com a presença do Filho nele. Esta é uma palavra viva de sabedoria da qual precisamos apropriar para que assim possamos enxergar a presença do Filho atuante no meio de nós. Esta Palavra é a Sabedoria de Deus vislumbrada nas maravilhas do mundo e no desenrolar da história, de modo que, em todos os tempos, as pessoas sempre tiveram e terão conhecimento dela, desde que se abram ao conhecimento desta com a vida. Que não sejamos como os judeus, mas possamos acolher esta palavra de coração aberto como o salmista: “Oxalá vocês escutem hoje o que ele diz: Não endureçam seus corações como aconteceu em Meriba, no deserto, quando seus antepassados me provocaram e tentaram, mesmo vendo as minhas obras”. Sl 95 (94) 7-9

Pedro Dias

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