Segunda feira da Quarta Semana da Quaresma. Estamos iniciando a penúltima semana deste tempo litúrgico favorável, colocando a nossa vida em cheque, diante do Projeto de Deus. A pedagogia de Deus está fundada na felicidade da humanidade. Nascemos livres e prontos para amar. Nos descaminhos da vida, vamos perdendo a lógica do amor e nos deixando invadir pela superficialidade. Daí a necessidade de buscarmos a nossa conversão, voltando ao caminho de Deus. Ele que está sempre de braços abertos à nossa espera. Converter é nos jogarmos no colo amoroso de Deus e beber de sua misericórdia infinita. O ser amado, reencontrando Àquele que nunca deixou de amar.
A hora de Deus é agora! O tempo de Deus é no aqui e agora. A pedagogia de Deus é a nossa felicidade como tempo oportuno. Estamos vivendo o seu “Kairós”, palavra de origem grega, que significa “momento certo” ou “momento oportuno”. Quaresma é este tempo oportuno, momento único, presente no espaço de um tempo físico, determinado por Cronos. Por isso não podemos perder a oportunidade de buscar esta transformação profunda de nossas vidas, encaixando o nosso Cronos no Kairós de Deus. A hora é agora e o momento é este, até porque, o tempo de Deus é infinito como bem definiu Pedro em uma de suas cartas: “para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos são como um dia”. (2Ped 3,8) como vemos, Deus não mede o tempo como nós.
Iniciei a minha semana na companhia de Pedro. O sol espantou todas as nuvens do céu nesta manhã, e veio imponente, trazendo-nos o dia. Caracterizado pelo verão, prefigurando um dia daqueles, em que o calor será absoluto. Contemplei os primeiros raios dele hoje, a partir do “Campo Santo”, onde Pedro mesmo quis contemplar as águas do Araguaia. Seu epitáfio ali ao pé da cruz diz-nos claramente quem foi Pedro e como viveu toda uma vida como “Testemunha Fiel” d’Ele: “Para descansar eu quero só esta cruz de pau. Com chuva e com sol. Estes sete palmos de terra e a Ressurreição”. Austeridade, simplicidade de toda uma vida pelo Reino.
Rezando e suplicando a intercessão de Pedro junto do Pai, veio-me a mente um dos salmos que cantávamos nas manhãs, ali na capela do seminário, onde dei início aos meus estudos, na década de 1970: “O Senhor é o meu guia. Nada pode me faltar. Onde houver muita fartura. Para lá vai me levar”. Lembro-me bem que a melodia deste salmo, musicado pelo então Padre Ronoaldo Pelaquin, embalava os nossos dias de sonhos juvenis, nos bons tempos de nossa jornada iniciante à Vida Religiosa. Mal sabia eu, que estaria rezando este mesmo salmo, há milhares de quilômetros dali, às margens do rio que encantou todos os meus sonhos, tornando uma utopia crível.
Liturgicamente iniciamos a semana em boa companhia. O evangelista São João veio nos trazer um pouco de sua métrica evangélica. Este Evangelho é singular. Enquanto os demais evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, nos trazem uma dezena de milagres realizados por Jesus, João apresenta-nos aquilo que ele chama de “sinais”. Ao responder quem é Jesus, e revelar a natureza de sua missão, ele faz questão de apontar sete sinais impactantes realizados por Jesus: as bodas de Caná (2,1-12); a cura do filho de um funcionário (4,43-54); a cura do paralítico (5,1-47); a multiplicação dos pães (6,1-15); o caminhar sobre as águas (6,16-70); a cura do cego de nascença (9,1-41) e a ressurreição de Lázaro (11,1-54) Enquanto os outros evangelhos trabalham com a pedagogia das parábolas, João descreve as ações de Jesus em formato de diálogos, travados entre o Mestre e seus interlocutores, como são os casos da samaritana e Nicodemos, que vimos no texto do evangelho de ontem, por exemplo.
Nesta perspectiva joanina, ele nos traz hoje o segundo sinal realizado por Jesus: a cura do filho de um funcionário do rei. Cura “on-line”, já que nem necessitou que Jesus estivesse na cena de forma presencial, a não pela fé inabalável do pai da criança que acreditou nas palavras ditas por Jesus: “Podes ir, teu filho está vivo. O homem acreditou na palavra de Jesus e foi embora”. (Jo 4,50) Demonstração enorme de profunda fé. Um homem pagão acredita na palavra de Jesus e se converte com toda a sua família. Se Jesus é rejeitado pelos seus concidadãos e pelas autoridades religiosas, os considerados de fora o acolhem. Fica assim rompida toda relação de dependência entre salvação e lei, entre fé e instituição. A salvação é dom gratuito de Deus para todos aqueles que se abrem e respondem a esse dom. Quem verdadeiramente crê, não necessita de sinais, mas se entrega confiante e acolhe Àquele que veio trazer vida plena para os seus, como nos assegurava a espanhola Santa Teresa de Jesus (1515-1582): ”O Senhor nos ama mais do que nós mesmos nos amamos”.
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