Quarta feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum. Agosto dando os seus últimos suspiros, já preparando para passar o bastão ao mês dos brotos e das flores. Para os cristãos católicos, mais um mês vocacional dando o seu adeus. Tivemos a oportunidade de refletir sobre as múltiplas vocações, para quem ainda pensa que vocação é coisa de religiosos, padres e freiras. Vocação é antes de tudo um chamado e, pelo batismo assumimos e temos a oportunidade de vivenciar a vocação a que Deus nos chamou, fazendo a caminhada com Jesus de Nazaré. Seguindo na caminhada rezando com o salmista: “É Deus que me reveste de poder e faz o meu caminho perfeito”. (Sl 18,32)
Um agosto diferente aqui pelas bandas do Araguaia. Este ano, fiz 31 anos de trabalhos junto aos povos indígenas e, raramente presenciei chuva acontecendo por aqui nesta época do ano. “Tempora mutantur”, (“os tempos estão mudados”), diria o meu professor de latim, José Braga, nos bons tempos de seminário, lá pelos idos de 1977. A chuva deu uma sossegada no forte calor e permitiu-nos um amanhecer fresco e sereno no meu quintal, para espanto até das criaturas de Deus que me visitam regularmente. Aproveitei da oportunidade e “franciscanamente”, rezamos com o nosso Zé Vicente “Onipotente e bom Senhor, a ti a honra, glória e louvor! Todas as bênçãos de ti nos vêm, e todo o povo te diz: Amém!”
Agosto findando e a sociedade brasileira repercutindo a cirurgia de transplante de coração feita pelo apresentador de televisão Fausto Silva. Que ele mereça viver, não devemos ter dúvida alguma disso, mas o que não deve ser critério da escolha de seu nome, a sua cifra milionária. Apesar de sua gorda conta bancária, a cirurgia é feita dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e, segundo dados do Ministério da Saúde (MS), atualmente há mais de 65 mil pessoas aguardando um órgão na fila do transplante. Este número é um dos maiores dos últimos 25 anos. Não é possível que entre estas pobres vidas da lista de espera, nenhum deles foi compatível com o coração doado. Algo está mal explicado nesta história.
Enquanto isso, no campo litúrgico, seguimos refletindo o texto do evangelista Mateus. Mais uma vez, Jesus confrontando-se com as autoridades dos judeus: mestres da Lei, escribas e fariseus. A temática aludida é ainda a hipocrisia. Hipocrisia lá e cá. A hipocrisia esconde e falseia a verdade. Por trás de todo hipócrita há o ocultamento da verdade. Lembrando que a hipocrisia é uma mentira, pois esconde a verdade, provando a duplicidade de vida e de caráter. Quem vive da hipocrisia, vive aquilo que não é, demonstrando falsidade no/do seu viver. Como Jesus já nos alertara: “Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do Maligno”. (Mt 5,37)
“Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão! Assim também vós: por fora, pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e injustiça. (Mt 23, 27-28) Jesus dando uma regulada geral nas autoridades judaicas que viviam dentro do templo, numa vida de pura aparência, mostrando aquilo que não eram. O Mestre enfadado com os “guias religiosos” que, em nome de Deus, tiravam das pessoas o gosto pela vida e a possibilidade de viver na plenitude que Deus as havia criado. Autoridades que sustentam um sistema formalista e hipócrita. Uma religião formalista e jurídica que não é meio de libertação e salvação, mas produz uma prática escravizadora e opressora dos pobres.
Apesar da dureza de suas palavras, chamando as lideranças religiosas de seu tempo de hipócritas, comparando-as a “sepulcros caiados”, algumas destas lideranças ainda hoje não entenderam nada da mensagem revolucionária de Jesus. “Guias cegos” que se apoderam da religião e das chaves da entrada no Reino, mas nem eles mesmos conseguirão chegar lá, pois a sua vaidade, seu orgulho e o seu personalismo, estão em primeiro plano. Trabalhar pelo Reino é testemunhar a presença viva de Jesus na realidade histórica, conduzindo o processo de libertação dos pobres e indefesos. Sem deixar cair a profecia, como nos pedia dom Hélder Câmara. Testemunhando o Reino, tendo a esperança como ato de rebeldia na teimosia e resistência, como nos dizia nosso bispo Pedro.
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