Terça feira da 32ª Semana do Tempo Comum. Mais um dia que nos é dado como uma página em branco, para que possamos construir com as nossas mãos, pensamentos e valores e atitudes, a nossa história de vida. Nossa voz interior clama por ser ouvida no turbilhão da vida humana, nestes tempos de redes digitais. Quase não nos falamos pessoalmente, encurtando as nossas distâncias físicas com os olhares fixos nas telas dos celulares. Não olhamos mais nos olhos das outras pessoas; não sentimos mais a amorosidade da sua presença, contentando-nos apenas com os atrativos cibernéticos. A doçura do estar juntos, face a face, olho no olho, perdeu-se na escuridão da posse excessiva dos celulares. Já não temos mais um celular, mas somos nós que deixamo-nos ser possuídos por eles.
Com o modismo de tantos influenciadores, as pessoas deixaram-se ser levadas pelo que pensa os tais “influencers”. O próprio nome já diz da pessoa que está do outro lado da tela, quase sempre desprovida dos reais valores humanos, de uma convivência fraternal de irmãos e irmãs que somos, filhos e filhas do mesmo Pai. Não precisamos de influenciadores, mas de pessoas que saibam compartilhar os valores das causas do Reino, trazido por Jesus de Nazaré. Neste sentido, vale a pena pensar e agir com as palavras do californiano Steve Jobs (1955-2011): “Não deixe o barulho da opinião dos outros abafar sua voz interior. E mais importante, tenha a coragem de seguir seu coração e sua intuição. Eles, de alguma forma, já sabem o que você realmente quer se tornar. Tudo o mais é secundário”. Deixar que a nossa voz interior ganhe força e molde o nosso ser neste mundo.
O futurismo do tempo pós-moderno, jogou muitos dos nossos valores na lata de lixo da história. Ainda bem que temos algumas referências, sobre as quais podemos ancorar o barco da nossa existência. Hoje, por exemplo, a Igreja celebra a memória de São Josafá (1580-1623). Josafá Kuncewicz, O.S.B.M, nascido na Ucrânia, foi um monge da Igreja Católica. Embora de família de ortodoxos, foi amplamente influenciado pelo pensamento dos Padres da Igreja e converteu-se ao catolicismo, se tornando uma referência de dedicação às causas dos empobrecidos. Vivendo num período histórico “cismático”, foi bastante perseguido, caluniado, tanto que foi morto aos 43 anos de idade, por uma multidão de ortodoxos enfurecidos. Padroeiro do Ecumenismo, foi canonizado pelo Papa Pio IX, em 1867.
O Ecumenismo nos faz pensar numa organização de sociedade que seja capaz de buscar a unidade na diversidade. Tarefa nada fácil, sobretudo porque, deixamos esvair de nós a gratuidade, essência da relação do ser criacional de Deus para conosco. Aliás, a gratuidade é a palavra da vez que o Lecionário Litúrgico nos propõe refletir com o texto de Lucas desta terça feira. Gratuidade que se expressa no ato de estarmos sempre prontos e disponíveis para servir. Servir é a vocação primeira do discipulado de Jesus. “Quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer'”. (Lc 17,10)
Nos muitos dos ensinamentos e práticas de Jesus aos seus discípulos, fica evidente que a atitude primeira daqueles e daqueles que fazem a sua adesão por segui-lo, passa necessariamente pela disponibilidade do serviço gratuito, às causas do Reino. Gratuidade que se expressa na disponibilidade de fazer a sua vontade, como Maria mesma entendeu, desde o início de sua missão: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38) A gratuidade se mescla ao serviço de quem se dá de corpo, alma e coração, pelas causas do Reino. É assim que Jesus quer o seu discipulado, sempre pronto a servir na gratuidade dos corações que se apaixonam pelo Reino.
Serviço gratuito de quem faz, mediado pelas coordenadas do coração. “O coração tem razões que a própria razão desconhece”, dir-nos-ia o filósofo e teólogo francês Blaise Pascal (1623-1662). Simplesmente fazer o que devemos fazer. Pena que, para uma parte considerável da nossa Igreja, a ficha ainda não caiu, e algumas das nossas lideranças religiosas, se apegam mais ao “ser servido” do que propriamente ao servir, como quer Jesus. Infelizmente, tal situação, encontra eco nos bajuladores de padres e bispos, atendendo seus caprichos, perdendo assim a chance de cobrá-los da sua verdadeira missão, a que foram chamados, para o seguimento de Jesus: Servir e não serem servidos. “Entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês. Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir, e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos”. (Mt 20,26-28) Para Jesus, a autoridade não é exercício de poder, mas a qualificação para serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum de todos e todas.
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