MENS SANA IN CORPORE SANO! (6)
Estamos cansados de estar cansados, não aguentamos mais , não aguentar mais. O livro “Sociedade do Cansaço”, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han traz ,claramente , uma crítica ao modelo que vivemos atualmente: cobranças excessivas pela “alta performance”, busca pela perfeição com tudo e o tempo todo e uma competição desenfreada. Estamos ficando mais produtivos e menos criativos. Cada vez fazemos mais e desfrutamos menos.
Os momentos no trabalho são vividos como uma forma de tortura e os momentos que deveriam ser de descanso , tornaram-se mais uma obrigação. O que deveria ser um prazer, agora é sinônimo de culpa. Quando estamos no trabalho, estamos pensando no descanso, e quando estamos descansando, nossa cabeça está tentando antecipar, analisar e resolver os problemas do trabalho. E aí vem o cansaço, e aí vem a culpa, e aí vêm tantas e tantas cobranças que nos levam à exaustão, ao pânico e ao Burnout (o completo estado de esgotamento e exaustão mental). Lembrando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o Burnout na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), em vigor desde 1º de janeiro de 2022. O Brasil, que já era considerado o país mais ansioso do mundo, possui hoje mais de 14% da sua população diagnosticada com algum transtorno de ansiedade. Isso é muito preocupante.
Sentimo-nos insuficientes o tempo todo e aí , nos cobramos cada vez mais. Nunca está bom. Nunca o que fazemos parece ser suficiente. Onde está, afinal, esta tal “alta performance”? Onde é, afinal, a tal “linha de chegada”?
A busca pela felicidade virou uma obsessão. Temos que ter tudo. E aí , deixamos de ver a felicidade como uma possibilidade, e começamos a tratá-la ,também ,como mais uma obrigação. A carga ficou pesada. O tempo está curto.
Estamos tão preocupados com o futuro que deixamos o agora de lado. Resolver as questões do presente sem qualidade atencional e emocional traz retrabalho, culpa e estresse. Uma das formas que hoje , a ciência que estuda o comportamento humano , vem nos mostrando, é que podemos treinar nossa atenção e trazer o presente para ser resolvido no consciente, com qualidade e foco.
Pequenas atitudes e escolhas vão trilhando nossa jornada e vão dando tom da nossa marca no mundo. Suportar e sustentar, a nós mesmos, pode tornar-se , não mais um dever, mas sim, um prazer. Suportar no sentido de dar suporte, sustentar no sentido de validade emocionalmente às nossas atividades. E aí podemos, quem sabe, tratar o propósito como a possibilidade de prazer, enquanto nosso trabalho acontece.
Quem sabe até direcionar um olhar positivo para as nossas atividades diárias. Um pequeno movimento, mas que aos poucos vai se transformando em um hábito e suavizando nossa relação conosco.
E aí, a cada passo dado, começamos a nos dar conta de que a nossa felicidade vem da conexão e do encontro conosco, com os outros e com o mundo. Passamos não mais a buscar, passamos a sentir, a desfrutar e a saborear, nos dando conta de que a felicidade pode ser algo sustentável.
“A disciplina organiza a liberdade” frase citada, recentemente, por Mario Sergio Cortella, que nos dá permissão para nos colocarmos na nossa própria agenda. Talvez um momento que permita-nos sentirmos à vontade conosco e só assim , iremos estar à vontade com o outro. Mudar nossas conversas internas pode melhorar muito nossa relação conosco. As cordas vocais ativam a parte ventral do nervo vago. Dependendo do tom de voz utilizado, o corpo libera substâncias (hormônios e neurotransmissores) que irão determinar os pensamentos e as ações. Primeiro é para dentro e depois é para o todo.
Isso envolve autoconfiança. Autoconfiança envolve acreditar, aprender que coragem não é ausência de medo, coragem é fazer com o coração. Nunca é cedo demais e nunca é tarde demais. Podemos começar sempre onde estamos e com aquilo que temos, descobrindo ferramentas melhores durante a jornada. Podemos estar preparados e nos preparando todos os dias, uma habilidade considerada fundamental neste momento que estamos vivendo: learnability. Vamos dar o passo, e o universo coloca o chão.
Podemos existir dentro de nós. Podemos respeitar quem somos e as nossas necessidades. Podemos explorar nossa própria natureza e estar, de fato, em contato conosco, sentindo conforto e segurança ao habitar o nosso corpo, estando inteiros a cada ação. Em um de seus livros, Jon Kabat-Zinn nos traz logo na capa este alerta: “Onde quer que você vá, é você que está lá”.
Sugiro, enfim, uma reflexão final: as feridas da pandemia ainda não cicatrizaram, mas agora, cabe a cada um de nós, o cuidado de aprendermos a ser melhores conosco, com os outros e com as mudanças que o mundo nos apresenta por meio de escolhas conscientes, buscando a alta performance em nós e para nós. Um estilo de vida mais leve, decisões mais assertivas, escolhas mais conscientes e, talvez, até uma existência mais tranquila e prazerosa.
Caso contrário, vamos chegar lá no futuro e nos perguntar: Eu desperdicei o meu presente para conquistar o quê mesmo?
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