Sexta feira da Quinta Semana da Páscoa. Maio vem sextando, prenunciando novos ares para a nossa caminhada de fé. Lembrando que a Igreja Católica dedica o mês de maio à Maria de Nazaré. Ela que é a Mãe dos caminhantes. Assim como ensinou os primeiros passos de Jesus, lá pelas bandas da periferia de Nazaré, ela é também aquela que vai conosco pelas estradas da vida, orientando o olhar do nosso coração, para o Projeto do Reino, que o seu Filho veio nos anunciar. Maria da libertação nos ensine a trilhar os caminhos com o Messias, para que possamos dar passos concretos em direção às nossas conquistas. “Maria, Mãe dos caminhantes, ensina-nos a caminhar”.
Uma manhã de calor excessivo aqui pelas bandas da Prelazia. Ainda muito cedo, fui respirar a brisa suave que soprava às margens do Araguaia. Resolvi acordar o sol, que se fez reflexo em minha retina, ao dourar as águas correntes deste nosso caudaloso rio. Aliás, poucas vezes o vimos encher-se nos meses de abril/maio. Os raios solares faz realçar mais ainda a beleza natural deste que é a nossa maior alegria. Assim que “botei” pela primeira vez meus olhos sobre estas águas, foi amor à primeira vista. Paixão de quem deixou enamorar-se por este Araguaia, rompendo todas as fronteiras institucionais que me amarravam lá fora. Sou feliz no Araguaia!
Aqui, nesta Igreja, aprendi a caminhar por outros caminhos que até então não os conhecia. Pedro é o “culpado”, desta reviravolta em minha vida, me fazendo cúmplice das causas da vida. Ao convidar-me para fazer parte desta “minoria abraâmica”, meu coração de jovem sacerdote, saltitou serelepe no peito, aceitando sem temor algum, o desafio de cruzar as fronteiras, aterrissando meus sonhos, projetos e utopias, nesta terra bendita que “Casaldáliga” fez história, marcando com o seu sangue profético/poeta, a mística desta Igreja dos mártires da caminhada. Lá se vão 33 anos de minha labuta por aqui, mas ainda está fresco na memória, o meu “batismo de sangue”, numa das aldeias do povo Iny.
O tempo litúrgico é pascal. O desafio é de estabelecer novas relações de “Amizade Social”, como nos pede a Campanha da Fraternidade/2024, uma vez que “Somos todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). Todavia, em tempos de Sinodalidade, de comunhão e participação, como nos provoca o Papa Francisco de “Uma Igreja em Saída”, somos convocados a buscar, impreterivelmente, a nossa “conversão ecológica”, para que o cuidado com a “Casa Comum” esteja na ordem do dia, e não soframos tanto com as manifestações da Mãe Natureza, agredida, violada e violentada, pela nossa insanidade, em querer destruí-la a todo custo.
A fé se concretiza no caminho que vamos desenvolvendo ao longo da vida. Fé de caminheiro, na procura do Reino. Aliás, desde os primórdios do cristianismo, que os seguidores de Jesus, das primeiras comunidades, eram reconhecidos como “aqueles e aquelas do caminho” (At 9,2). É no caminho que vamos encontrando Deus presente na pessoa dos irmãos da caminhada. E aqui não se trata de buscar apenas o caminho que nos leva ao templo, aos ritos sacramentais e às adorações, descoladas da realidade, mas os caminhos que nos levam às encruzilhadas da vida, das fronteiras geográficas e existenciais, onde possamos nos encontrar com os caídos a beira do caminho, recordando e tendo em mente, aquilo que nos fora dito por Jesus em Mateus: “tudo o que fizestes ao menor dos pequeninos foi a mim que o fizeste”. (Mt 25,40).
A fé nos possibilita ver Deus em Jesus. Ele mesmo nos garante isso quando diz: “Quem me viu, viu o Pai”: (Jo 14,9) Ver o Pai atuando em e por Jesus em nós. O mistério teológico da presença do Pai e Filho se fazendo unidade na infinitude. Harmonia transcendente da divindade do Pai que se faz plenamente na pessoa do Filho. Ver Deus em Jesus é também ver Jesus na pessoa de todos aqueles e aquelas que sofrem e que necessitam de cuidados. Jesus não se preocupou apenas em anunciar-nos com palavras o Reino de Deus. Fez o Reino acontecer, através das ações libertadoras que ia realizando, contradizendo a lógica perversa do sistema sustentado pelas autoridades religiosas, que exploravam os pobres e usavam a religião para manter os seus privilégios.
Jesus, caminho, verdade e vida. Mirar nesta tríplice propositura de Jesus é fazer o nosso caminhar coincidir com o seu projeto messiânico, fazendo a vida acontecer lá onde predominam as estruturas de morte. A fé vista como um caminho sem volta do sair de nós mesmos e do nosso comodismo, de uma fé infantilizada, para fazer o encontro com o Ressuscitado que caminha na história da humanidade e é um de nós. Quem não faz este percurso de promover em si o êxodo de uma fé intimista e individualizada, para o compromisso com aqueles que encontrarmos pelo caminho, corre o risco de não ver nem o Pai, nem o Filho, manifestando de forma teofânica e se fazendo unicidade na pessoa de Jesus de Nazaré.
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