A fé do caminheiro, por Chico Machado

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Segunda feira da primeira semana da quaresma.

Estamos iniciando os primeiros passos no caminho deste tempo litúrgico, rumo à Páscoa do Ressuscitado. Estamos fazendo a mesma experiência dos primeiros seguidores e seguidoras de Jesus, que eram identificados inicialmente como os discípulos e discípulas do “Caminho”. Muito chão nos separam do ápice de Jesus Ressurreto, manifestação plena do Deus da vida na pessoa do Filho.

No final deste caminho, nos encontraremos com a pessoa do Cristo Ressuscitado. Ao ressuscitar o Filho, Deus dá-nos a mostra cabal, de que a morte não tem a última palavra, pois a vida prevalece. Esta é a lógica de Deus, que nos criou para vida. E vida em toda a sua totalidade e na integralidade das dimensões (Jo 10,10). Tudo aquilo que vêm em direção contrária a isso, representam as forças da morte, e não fazem parte do sonho de Deus para conosco.

Por os pés na estrada é fazer a sintonia com o projeto de Deus revelado em/e por Jesus. É sujar os pés na lama da estrada dos pobres e marginalizados, como fez Jesus, caminhando lado a lado com eles, pelas estradas da vida. Ele é o caminho e, com Ele, somos caminheiros, caminhantes e estradeiros. Um caminhar que se faz, regado ao testemunho e ao compromisso fiel das causas de Jesus.

Jesus não fez a “Opção Preferencial pelos Pobres”. Os empobrecidos estavam estigmatizados na essência de sua prédica e prática. Foi no meio deles que Ele deu início à sua vida pública, mostrando o lado da predileção de Deus para com os desprezados e marginalizados. Deus ouve o clamor dos pequenos e desce para com eles estar. (Ex 3,7)

A fé se comprova na concretude histórica da vida. O nosso ser e o nosso fazer, se fundem no dinamismo de uma fé atuante no caminhar histórico com Jesus. Nenhum de nós tem a sua fé para si mesmo, mas para realizar as ações de libertação na caminhada do povo de Deus. Pelo menos é bem isso que Jesus nos provoca no transcorrer do texto do Evangelho de hoje (MT 25,31-46).

O olhar de Jesus se volta diretamente para os empobrecidos e marginalizados: pessoas com fome e sede, doentes, estrangeiros, sem o que vestir, prisioneiros… Exatamente aquela classe de pessoas que eram desprezadas pelos poderes políticos e religiosos de seu tempo. Os “adoradores dos Templos” viravam as costas para estas pessoas e as desprezavam como se fossem lixo. Jesus, ao contrário, fala de forma explícita que somente aqueles e aquelas que passarem pelo caminho com estes desprezados, encontrarão o caminho que os levarão às portas do Reino.

Esta narrativa de Mateus é extremamente lúcida e profética. Ela é a única de todos os Evangelhos que mostra tão claramente o verdadeiro sentido daquilo que chamamos de “juízo final”. Segundo esta narrativa, seremos julgados pelo critério do “cuidado” que tivermos com as pessoas que estão nesta situação de vulnerabilidade. Nelas está personificada o rosto de Jesus: “Tudo o que fizerdes ao menor dos pequeninos, foi a mim que o fizeste”. (Mt 25,40) Desta forma, o nosso julgamento será sobre a realização ou não de uma prática de justiça em favor da libertação destes empobrecidos. Esta é a condição fundamental para participar da vida do Reino.

As primeiras comunidades cristãs entenderam perfeitamente esta lógica prenunciada por Jesus. Elas caminhavam pelos mesmos caminhos com os pobres e tinham uma forma estratégica de como lidar: “Vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um. (At 2,45). Como no tempo da quaresma, sentimos um forte apelo à conversão, quiçá não seja o momento de as nossas comunidades eclesiais, se abrirem à perspectiva do “caminho” , e se libertarem de uma vez por todas, de um sacramentalismo estéril e clerical, com seus pastores e lideranças religiosas, sujando os belos calçados, na lama do caminho dos pobres. “Conversão, justiça, comunhão e alegria no cristão, é missão de cada dia”. Tomara que seja mesmo!

Pedro Dias

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