A fé de adesão, por Chico Machado.

Quinta feira da Quinta Semana do Tempo Comum.
O horizonte do nosso caminho vai se abrindo na medida em que vamos avançando na busca dos nossos ideais.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Cada passo dado nos coloca na dinâmica da vida que precisa encontrar realizações. Sonhos e ideais se fazendo na história de nossas vidas. Nascemos para progredir e avançar em direção aos desejos de vida plena. Deus nos criou na sua ternura amorosa para que sejamos plenitude de amor em nossas realizações. Como nos diria o poeta libanês Khalil Gibran (1883-1931): “O Amor não tem outro desejo senão o de atingir a sua plenitude”.

Plenitude da vida que vai renovando a cada momento. O dia de hoje não é o de ontem e nem será o de amanhã. Cada dia é único, cabendo-nos viver o momento presente. Como afirmava o filósofo pré-socrático Heráclito: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. Assim como a água do rio, o nosso ser de hoje não é mais o de ontem. Dentro da concepção filosófica, a nossa vida é regida pela dialética, numa frequente luta de opostos. Somos frutos da mudança permanente. Neste sentido, o Dalai Lama nos ajuda a refletir quando diz: “Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver”.

Esta é a vida que vou dedilhando aqui pelas bandas do Araguaia. Sempre agradecendo a Deus pelo dom de estar vivo. Nesta manhã, no meu dialogar com Deus, fiz questão de agradecê-lo por eu ser quem sou e como sou, mas também pela história de vida que venho tecendo ao longo desta minha caminhada. Sou um ser privilegiado por ter nascido e vivido no momento histórico do mundo em construção que me coube viver. Cada passo da minha história de vida foi dado baseado nas convicções e valores que aprendi cultivar, na defesa intransigente da vida para todos. Errei e acertei no esperançar de resistência e teimosia, sem jamais desistir dos meus sonhos.

Nesta minha sintonia em diálogo com o Criador, no amanhecer deste dia, contemplei cada passo dado por Jesus, que no dia de hoje a liturgia se encarrega de nos mostrá-lo na região de Tiro e Sidônia. De nada adiantou querer se esconder na casa de uma das pessoas desconhecidas, pois logo o descobriram ali. Ele está na terra dos pagãos. Tiro é uma cidade estrangeira. Não pertence a Israel e sendo assim, não professa a fé no Deus de Israel. Cidade esta que fica ao norte da Galileia, à beira mar, na direção oposta à de Jerusalém. Jesus que se põe a caminho, no seu compromisso com o Reino de Deus, indo ao encontro daqueles que esperam por sua palavra, mesmo sendo pagãos.

Esta passagem do Evangelho de Marcos deixa claro para nós que a salvação trazida por Jesus não é privilégio de um povo determinado, mas é para todos e todas aqueles e aquelas que acreditam n’Ele e na sua missão, mesmo que sejam considerados como “cães”, isto é, “estrangeiros”. Assim sendo, não é mais a raça e o sangue que unem as pessoas a Deus, mas a fé em Jesus e no mundo novo e transformado que Ele desperta. Aquela pobre mulher que busca Jesus traz em si a fé como o desejo do encontro com o Mestre Galileu. O seu desejo de crer já é fé. Mas ela dá um passo posterior e surpreende Jesus, passando de uma fé de desejo para uma fé de adesão. O seu engajamento com a proposta de Jesus fica claro quando ela diz: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair”. (Mc 7,28)

Com sua atitude firme e decidia, numa clara demonstração de fé, aquela mulher pagã desconcerta Jesus. A proposta de Deus é não deixar ninguém de fora do seu sonho de libertação. No Reino de Deus, não há “filhos e cachorrinhos”, melhores e piores, puros e impuros, mais santos e mais pecadores, dignos e indignos. Somente filhos e filhas do mesmo Pai, convidados e convidadas ao farto banquete de sua palavra e de sua vida divinamente plena. Se todos os alimentos são puros (Mc 7,19), muito mais puras e dignas são as pessoas, todas elas. Como a experiência daquela mulher pagã, não basta crer nisso, mas é preciso passar da fé do desejo para uma fé de adesão à Jesus. De outra maneira, até mesmo aqueles e aquelas mais aparentemente distantes, pagãos, impuros e indignos, trazem em si a marca indelével de filho e filha muito amados do Pai.

Pedro Dias

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