Sexta feira da Terceira Semana da Quaresma.
O tempo vai passando dando-nos a oportunidade de nos prepararmos para a festa maior da cristandade. Preparação que se faz pelo processo de conversão (metanoia), transformação dos pensamentos, das atitudes, do jeito de ser e agir no mundo. Como o próprio Jesus nos alerta: “Convertei-vos, diz o Senhor, está próximo o Reino de Deus!” (Mt 4,17) É preciso mudança total de vida, porque o Reino está dentro de nós e também no horizonte das nossas perspectivas, através daquilo que vamos edificando juntos pelas nossas ações.
Uma sexta feira chuvosa aqui pelas bandas do Araguaia. Segundo os mais antigos daqui, são as tradicionais “chuvas de São José”. Contrariando a meteorologia dos homens, que davam chuvas torrenciais para hoje, mansamente ela veio molhando a terra e se escorrendo naturalmente para a bacia do Araguaia que segue proeminente e vistoso. Uma manhã escura que procurei rezar na companhia dos poucos sabiás que aventuraram desfrutar da ração das cachorras, como todas as manhãs cumprem este ritual. Um clima bastante favorável ao “Bem Viver”, impossível não pensar num dos versos da canção de Almir Sater: “É preciso amor pra poder pulsar. É preciso paz pra poder sorrir. É preciso a chuva para florir.”
O amor é a essência da vida. É preciso amor sempre! Meu coração está tomado por ele. Ontem, chegou pelos correios, mais um dos notebooks que os amigos e amigas lá de fora estão me ajudando adquirir para repassá-los aos estudantes universitários indígenas daqui (Iny, Xavante, Kayabi, Maxacali e Kanela). Alguns deles já foram contemplados com esta ferramenta essencial para o acompanhamento das aulas, sobretudo as on-line. As limitações do celular sendo substituídas pelo computador. A nossa meta é fazer com que cada um dos estudantes tenha em mãos este valoroso instrumento. Um gesto concreto sendo feito neste tempo quaresmal. Que Deus nos ajude alcançar esta meta!
A essência da vida é o amor! A essência do amor é Deus! A Vida que não passa pelo amor torna-se sem sentido de ser, a espera de algo que não virá. Esta é uma das lições que Jesus nos dá no dia de hoje a partir do texto do Evangelho que nos é proposto pelo Lecionário Litúrgico da Igreja Católica. Um grupo de mestres da Lei, vindo até Jesus, o inquirido para ver se Ele, “se passando pelo Messias”, tinha pleno conhecimento da Lei: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” (Mc 12, 28). Aliás, esta era uma prática comum realizada pelos escribas, fariseus e mestres da Lei diante de Jesus, como forma de colocá-lo a prova.
No tempo de Jesus, os mestres da Lei eram os homens judeus versados na lei religiosa de Israel e responsáveis por interpretá-la. Geralmente estavam associados ao partido dos fariseus. Estes mestres também eram mencionados como doutores da Lei (Lc 5,17), ou escribas. Por serem exímios conhecedores da Lei, recebiam o título de “rabi”, e eram aquelas pessoas que tinham dedicado grande parte de suas vidas ao estudo da Lei. Uma das diferenças básicas dos mestres da Lei para os fariseus é que estes últimos, embora sendo conhecedores e devotos da Torá, recusavam o engajamento político, pensando em obter a salvação do povo e do país, apenas por sua piedade.
A resposta de Jesus é paradigmática. Ao invés de fazer o enfrentamento direto, Ele mina a lógica do raciocínio daqueles mestres da Lei: “Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo!” (Mc 12, 29-31). Ou seja, Jesus resume a essência e o espírito da vida humana num ato único com duas faces inseparáveis: amar a Deus com entrega total e incondicional de si mesmo. Amar a Deus exige e pressupõe que se ame também o irmão e a si mesmo. Não se ama a Deus se não ama a pessoa do irmão e a pessoa de si mesmo. Amar a Deus é estabelecer relações de igualdade, fraternidade, justiça, e não de opressão/exploração e submissão do irmão. A essência e o dinamismo da vida é o amor que constrói relações entre as pessoas objetivando uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, mais próxima do Reino que já está aqui e ainda não.
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