Sexta feira da Terceira Semana da Páscoa. O tempo é pascal, mas o mês de abril vem sextando ao som dos instrumentos culturais musicais dos povos indígenas, celebrando o seu dia de luta e resistência. Páscoa da vida nova do Cristo ressuscitado. Páscoa dos povos indígenas que não são mais “índios”, este termo genérico, cunhado pelo colonizador invasor, e que segue sendo reproduzido em muitas falas preconceituosamente. Uma sexta para celebrar a Causa Indígena como a causa de todos nós, ao invés de perpetuar o pensamento do massacre euro colonizador.
19 de abril. O dia é de celebrar. Dia de lutar e resistir, resgatando a memória viva. Dia de desconstruir, “decolonizar”. Este é o segundo ano em que não falamos mais “Dia do Índio”, mas “Dia dos Povos Indígenas”, graças a Lei 14.402/2022, de autoria da deputada federal a época, Joenia Wapichana, atual presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Esta nova lei veio em substituição ao Decreto-Lei 5.540, de 1943, do presidente Getúlio Vargas. Como afirmou Joenia, a grande liderança indígena, “o objetivo desta proposta de lei é atualizar o significado desta data e valorizar o coletivo e não apenas o indivíduo”, afinal ainda temos mais de 300 etnias no solo brasileiro. Viva os povos indígenas! Viva a sua cultura! Viva a sua diversidade de saberes ancestrais!
O tempo litúrgico é pascal, mas a nossa reflexão não segue falando das aparições de Jesus, como era de se esperar, mas o texto Joanino de hoje, segue trazendo para nós a atividade pública de Jesus. Desta vez, Ele está num lugar sagrado para os judeus, que é a Sinagoga de Cafarnaum. Ali, Jesus está ensinando, mas a discussão acalorada entre os judeus era outra: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” (Jo 6,52) Certamente esta dúvida controversa dos judeus, era também de muitas outras pessoas que ouviam as falas de Jesus. Como entender que alguém diga alto e bom som, que para se ter a vida plena em Deus, teria que comer a carne e beber o sangue de uma determinada pessoa?
Diferentemente dos três primeiros Evangelhos (Mt 26, 26), (Mc 14, 22) e (Lc 22,19), João não narra especificamente a Santa Ceia (instituição da Eucaristia). Ao dar a sua carne e o seu sangue, Ele está se fazendo o Cristo Eucarístico. Quem come desta carne e bebe deste sangue, está disposto a seguir os passos d’Ele, sendo presença viva de Deus no mundo. Ser como e com Jesus. Assim a Eucaristia se torna o Sacramento que manifesta eficazmente na comunidade esse compromisso com a encarnação e a morte de Jesus. Só poderemos encontrar a vida definitiva na condição humana de Jesus (carne). O Verbo se fez carne e veio ser como nós. Jesus é o Filho de Deus que se encarnou para dar a vida a todos nós. Nosso sonho maior é a vida definitiva que começa quando nos comprometemos com Jesus, aceitando viver no aqui e agora em favor dos outros, dando a própria vida, assim como fez Jesus.
Jesus é o Verbo encarnado de Deus. Palavra que se fez vida em nossa realidade histórica humana. Deus se revelando plenamente na pessoa do Filho, nos fazendo conhecer e adentrar a sua divindade transcendental. Comer a sua carne e beber o seu sangue é fazer a experiência profunda de conhecer o mistério da encarnação a partir de dentro. Se antes Ele se nos dá como o pão que alimenta para a vida plena, agora Ele nos convida a fazer esta sintonia plena de amor, com a sua vida doada por todos nós (corpo e sangue). Ou seja, Ele não está simplesmente presente em nós, no nosso coração, no nosso íntimo. Está também fora de nós, na realidade que vivemos no dia a dia. Por este motivo é que estar com Ele é estar em comunhão com os irmãos. “Em verdade, em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. (Jo 6,53)
Dar a sua carne e o seu sangue faz de Jesus o Coração Eucarístico de Deus. Jesus que se dá como Eucaristia, que é presença viva no meio de nós, do corpo e do sangue d’Ele, possibilitando-nos uma nova forma de existência: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”. (Jo 6,56) A carne e o sangue de Jesus, manifestando a sua identificação com a humanidade, aquela mesma humanidade que será sacrificada na cruz para salvação de todos e todas. Pão da vida. Carne e sangue partilhados, alimentando os nossos sonhos e o desejo de viver na plenitude com Deus. Com e em Jesus, Deus adentrou a nossa casa e fez o natural se transformar em sobrenatural, oportunizando-nos a chance de com Ele viver na sua divindade santa. No entendimento de Santo Agostinho (354-430): “Não somos nós que transformamos Jesus Cristo em nós, como fazemos com os outros alimentos que tomamos, mas é Jesus Cristo que nos transforma nele”.
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