Décimo Quarto Domingo do Tempo Comum, dos 33 que teremos neste ano litúrgico de 2024, até chegarmos à Festa de Cristo Rei, no dia 24 de novembro. É um Dia Comum, segundo a divisão litúrgica, entretanto, este é um domingo muito especial, dada à importância do conteúdo que ele nos traz, relatando a atividade messiânica de Jesus, e o reflexo dela, junto de seus parentes e conterrâneos. Como no domingo, nos reunimos em comunidade para celebrar a Palavra e conviver com os nossos irmãos e irmãs da caminhada, nos sentimos, de certa forma, sintonizados com a proposta de Jesus, dando continuidade à sua missão: evangelizando-nos para evangelizar.
Fiz o propósito de levantar mais cedo neste domingo, para rezar na capela da Catedral de São Félix do Araguaia. No silêncio matinal e na simplicidade daquele espaço, senti Deus falando pelo e através do cantar dos pássaros, que alegremente prenunciavam o novo dia. Senti também a presença viva de nosso bispo Pedro, pairando sobre aquele espaço, projetado e criado por ele, tendo a arte de seu conterrâneo Maximino Cerezo Barredo, CMF, artista plástico espanhol, presbítero católico, religioso Claretiano, como nosso pastor dos pobres do Araguaia. Não precisei de muitas palavras, no meu diálogo com Deus, pois aquele lugar já fala por si, de tantas histórias que dali emanam. Calei-me e apenas senti meu coração palpitar alegre por ali estar.
As primeiras comunidades cristãs tinham uma dinâmica própria, diferente das nossas comunidades dos dias de hoje. As celebrações eram feitas nas casas, e não nos templos, sinagogas, onde as lideranças religiosas tinham o costume de se reunirem. O Livro dos Atos dos Apóstolos nos trazem relatos desta experiência cristã primitiva: “Perseveravam na doutrina dos apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão e nas orações” (At 2,42). Estes relatos eram chamados de “Didaqué” (Doutrina dos Doze Apóstolos), uma espécie de catecismo antigo redigido entre o I e o II séculos. O povo do “Caminho”, como era reconhecido, os primeiros cristãos, tinham então a prática de se encontrarem nas casas, como espaço de convivência fraterna celebrativa.
Não é o caso do texto que nos é apresentado pelo evangelista Marcos no dia de hoje. Nele, Jesus está retornando à sua terra e, em dia de sábado, entrando e ensinando na sinagoga. Este episódio é tão importante dentro do contexto da atividade messiânica de Jesus, que ele aparece nos três Evangelhos Sinóticos: (Mc 6,1-6; Mt 13,53-58; Lc 4,16-30). Jesus retornando para junto dos seus e sendo veementemente rejeitado por eles. Para entendermos um pouco melhor este contexto em si, é necessário retomar o que havia acontecido anteriormente com Jesus, que teríamos visto no Evangelho do domingo passado, caso não tivéssemos a Solenidade de São Pedro e São Paulo: a cura de uma mulher que sofria de hemorragia há doze anos; e a reanimação da filha de Jairo (Mc 5,21-43).
Certamente havia crescido a repercussão acerca do agir e ensinar diante dos milagres que realizara. Jesus sendo rejeitado, inclusive pelos de sua família. Embora ensinando com sabedoria e despertando a admiração de muitos, os seus não acreditavam n’Ele. Tanto não acreditavam, que o chamaram de louco, em outro momento, no mesmo evangelho de Marcos: “os parentes de Jesus foram segurá-lo, porque eles mesmos estavam dizendo que Jesus tinha ficado louco”. (Mc 3,21) que as autoridades o rejeitassem, é até compreensivo. Todavia, os conterrâneos de Jesus não admitiam que alguém como eles, pudesse ter ascendência divina como Jesus. Não é a humanidade de Jesus que está sendo rejeitada, mas a sua divindade messiânica. Seus parentes e conterrâneos se escandalizam: não querem admitir que alguém como eles, possa ter sabedoria superior à das autoridades religiosas e realize ações que indiquem a presença de Deus. Para eles, o empecilho mesmo para a fé é a Encarnação: Deus feito homem, situado num contexto social humano.
Nós, passados tantos anos, também praticamos os mesmos atos de rejeição em relação a Jesus. Provavelmente, se alguns de nós estivéssemos presentes na cena narrada por Marcos no Evangelho de hoje, possivelmente teríamos o mesmo comportamento daqueles que rejeitaram Jesus. Todas as vezes que rejeitamos uma pessoa pobre, carente e necessitada de cuidados, estamos rejeitando a presença viva de Jesus ali naquele corpo sofrido e maltratado pela nossa sociedade. Como as autoridades religiosas do tempo de Jesus, somos capazes de encontrar e reconhecer Deus presente nos templos, mas não nos corpos dilacerados das ruas, caídos à beira do caminho. Isto nos faz lembrar de São João Crisóstomo que nos alertara: “Se você não consegue ver Cristo no mendigo na porta da Igreja, não poderá encontrá-lo no cálice.”
Comentários