Sábado da 23ª Semana do Tempo Comum. Aproximamo-nos de meados do mês de setembro. O mês da Bíblia, para os católicos, segue ditando o ritmo das nossas vidas, apesar de toda a degradação que ora estamos vivendo, com o fogo que já devorou parte de nossas riquezas naturais. Por aqui, a fumaça e o calor ainda predominam. A primavera chegando, e nem um sinal de chuva no horizonte das previsões meteorológicas. Só nos resta rezar, já que bem poucos, acreditam no desastre ambiental que toma conta de todas as vidas. Alguém daqui fotografou uma ave que permaneceu sobre os seus ovos e morreu queimada no ninho. Tristeza não tem fim!
14 de setembro, dia em que a Igreja Católica celebra a Exaltação da Cruz. Teologicamente, nela o amor de Deus se manifesta plenamente na pessoa do Filho de Deus encarnado. Esta solenidade nasceu em Jerusalém, a partir do ano de 335, e difundiu-se por todo o Médio Oriente, onde ainda hoje é celebrada. Todavia, em meados do século VII, começou a ser celebrada no dia 14 de Setembro, quando se expunham à veneração dos fiéis as relíquias da Santa Cruz. A reforma litúrgica pós-conciliar restabeleceu a importância do dia de hoje, que é festa. Aconselha-nos o Papa Francisco: ”Tende confiança na força da Cruz de Cristo. Acolhei a sua graça reconciliadora e partilhai-a com os outros”
Parece um paradoxo que a cruz seja um dos elementos centrais do cristianismo, ainda mais sabendo que a crucificação era uma das três formas mais brutais de executar alguém na antiguidade. Uma combinação de crueldade e espetáculo, para fazer o máximo de terror possível na população. Em muitos casos, a morte do executado só ocorria dias após ser colocado na cruz, diante do olhar atônito dos expectadores. O corpo do crucificado passava por uma mistura de sufocamento, perda de sangue, desidratação, falência múltipla dos órgãos. Este foi o castigo que o Império Romano, aliado à classe político-religiosa da época, aplicaram a Jesus.
No entanto, para os estudiosos da História da Igreja, a morte de Jesus tem um significado peculiar. Para os Padres da Igreja (Patrística), por exemplo, a cruz é vista como sinal universal de salvação e libertação. Ou seja, estes viam a cruz de maneira positiva. Para eles, a cruz não era o símbolo apenas do sofrimento, da dor e da morte, mas o símbolo da vida plena, da vitória do amor sobre o ódio do mundo. Desta forma, desde os primórdios das comunidades cristãs, a espiritualidade foi fortemente marcada pela cruz. Por este motivo, a Igreja antiga vinculou a simbologia da Ressurreição à simbologia da Cruz de Jesus.
O Novo Testamento nos traz toda uma simbologia carregada de elementos teológicos, cristológicos e eclesiais. Quem mais desenvolveu a teologia própria da cruz foi o apóstolo Paulo. Nesta sua compreensão teológica, na cruz está contida a força e sabedoria de Deus, isto é, na cruz torna visível a sabedoria de Deus, que consiste justamente em seu amor que não exclui ninguém, mas que se volta especialmente às pessoas mais pobres e excluídas. Já nos Evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas, a cruz é o sinal da salvação de Deus: em Mateus, a cruz não só é uma imagem de não violência, mas também de reconciliação entre Deus e os seres humanos; em Marcos a cruz é a vitória das trevas sobre a luz, do ódio sobre o amor; em Lucas, a cruz é a imagem daquilo que cruza o nosso caminho para quebrar as nossas ideias erradas para construirmos relações de amorosidade entre nós e Deus.
Estas ideias todas ficam mais ou menos evidentes no texto que a liturgia nos reservou para o dia de hoje. O evangelista João narrando para nós um diálogo entre Jesus e Nicodemos. Ele que era um mestre em Israel, um estudante profissional, intérprete e doutor da Lei, ocupando uma posição de destaque como membro do Sinédrio. A este homem simpático à sua proposta, Jesus lhe diz: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem”. (Jo 3,13). O que Jesus quis dizer é que a grande novidade que Deus tem para as pessoas está n’Ele, que vai revelar na cruz a vida nova, demonstrando o maior ato de amor: a doação total de sua própria vida em favor da humanidade. Em Jesus, Deus manifesta todo o seu amor, para salvar e dar a vida a todos e todas. “O caminho de Jesus é o do amor fiel até ao fim, até ao sacrifício da vida: é o caminho da cruz. Por isso, o caminho da fé passa através da cruz”. (Papa Francisco)
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