Terça feira da vigésima quinta semana do tempo comum.
Setembro nos prepara para viver o último décimo deste mês. O mês da Bíblia, Palavra de Deus encarnada em nossa realidade histórica, vai caminhando para o seu último terço. Apesar da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em homenagem ao patrono das Sagradas Escrituras São Jerônimo, propor a cada ano o estudo de um dos livros da literatura bíblica, poucas são as comunidades que se dedicam ao estudo e aprofundamento desta proposta. Assim, o Livro de Josué que poderia dar um alento em dias tão difíceis – “O Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andes” (Js 1,9) – está passando desapercebido de muitos.
Em tempos difíceis, nos contratempos da vida, a Palavra de Deus torna-se o alento e a indicação para dias mais vindouros. Tempos de esperançamento para o povo sofrido desta terra. Como o povo da etnia Karipuna, da Terra Indígena (TI) localizada no Estado de Rondônia. Este povo encontra-se em Brasília, fazendo uma denúncia aos órgãos públicos e, sobretudo aos países mais sérios, pedindo proteção a seu povo e ao território Karipuna, que encontra invadido por grileiros, madeireiros, e agropecuaristas. Este povo tem uma história trágica desde o início no século XX, com o ciclo da borracha, marco inicial da sequência de mortes e invasões em seu território tradicional. Esse foi também o período de construção da ferrovia Madeira-Mamoré, que levou dezenas de milhares de invasores, provocando a morte em função das doenças dos não indígenas.
O sentimento de pertença à comunidade e ao território é um dos elementos fundantes da experiência e dos saberes tradicionais dos povos originários. Identidade como sinal claro e inequívoco de pertencimento a um povo e a seu território sagrado. Identidade que se faz com a convicção de pertencer a uma família ancestral tradicional, que constitui aquele povo como uma grande família. Realidade que não estamos acostumados a fazer entre nós. O nosso sentimento de pertença a um determinado povo é ainda muito fragilizado, razão pela qual temos muito que aprender com os povos indígenas. Eles sim são povos que trazem em si estas duas palavras mágicas: identidade e pertencimento.
Identidade e pertencimento que também nos falta uma maior compreensão, quando lidamos com a nossa experiência de fé cristã. Como cristãos e cristãs, deveríamos nos sentir como parte integrante da família de Jesus, como nos propõe o texto da liturgia desta terça feira. Três versículos, tirados do evangelista Lucas, mas que nos dá uma dimensão exata de como devemos ser e comportar, enquanto pertencentes à família Jesuânica: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e a põem em prática”. (Lc 8, 21) Ouvir a Palavra é o exercício que se faz não apenas com os ouvidos externos, mas ouvir com os ouvidos do coração. Isto requer uma tarefa mais exigente por parte daqueles e daquelas que se propõem em estar em sintonia com a Palavra de Deus. Coração atento à escuta da palavra.
Ser da família de Jesus, este é o nosso maior desafio enquanto seguidores d’Ele. Mais do que ser membro assíduo numa vida sacramentalista, de cumpridor de preceitos morais e religiosos, e de desenvolver fanatismos religiosos conservadores, o que conta mesmo é a escuta atenta da Palavra e a prática dela no cotidiano da vida. Reservar momentos na vida para a escuta desta Palavra, como nos ensina a fazer o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), numa experiência de “Leitura Orante da Bíblia”. A experiência de um encontro pessoal entre nós e Deus. Neste encontro, desenvolvemos a escuta sincera e honesta da Palavra de Deus. Um Deus que fala e nos provoca à ação transformadora da realidade.
Jesus provoca novas relações entre as pessoas, que começa a existir quando colocamos em prática a palavra do Evangelho, dando continuidade assim a missão de Jesus. Ser da família de Jesus é encontrar-se com Deus na pessoa dos mais pobres. Diante deste contexto devemos nos perguntar frequentemente: Que Deus encontramos na Bíblia? O Deus Libertador? O Deus que está sempre conosco “Emanuel”? O Deus que se revela na história e no grito dos pobres? O Deus que fala pela vida e nos convoca a transformar este mundo em Reino de Deus? Ou o Deus do conformismo?; da indiferença?; da manutenção do “status quo” da sociedade? O Deus dos interesses mesquinhos dos políticos vigaristas de plantão? O Deus dos pastores ávidos por riquezas? Como diz Jesus: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”. (Mt 7,21) Ou seja, se o ato de fé pela palavra não for acompanhado de ações, é vazio e sem sentido.
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