MiTerça feira da Oitava Semana do Tempo Comum. Último dia deste tempo litúrgico, antes da quaresma e posteriormente a Páscoa. A partir de amanhã, daremos uma parada neste ciclo litúrgico, para dedicar-nos a viver o tempo propício para repensar a nossa conversão, à luz da Palavra de Deus. O carnaval terá o seu momento de folia no dia de hoje e, na quarta feira, os cristãos católicos terão, em suas comunidades, o momento celebrativo das cinzas, significando que estaremos prontos a iniciar o processo de uma caminhada de leitura, reflexão e meditação, objetivando uma abertura maior à nossa conversão ao Projeto de Deus revelado por Jesus. Ao recebermos as cinzas sobre as nossas cabeças, fazemos recordação daquilo que o Livro do Gênesis já nos lembrara: “Tu és pó e ao pó voltaras”. (Gn 3,19)
“Vigiai e orai…” (Mt 26,41) É assim que estamos nos sentindo e comportando em relação ao nosso lider maior, o Papa Francisco. Seu estado de saude segue instável. É o que diz, por exemplo, o boletim desta segunda-feira, 3 de março, publicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, sobre as condições de saúde do Papa Francisco: “No dia de hoje, o Santo Padre apresentou dois episódios de insuficiência respiratória aguda, causados por um significativo acúmulo de muco endobrônquico e consequente broncospasmo”. Desta forma, a ventilação mecânica não invasiva foi retomada. O homem é forte, permanecendo sempre vigilante, acreditando na sua recuperação para dar continuidade à sua missão de nos representar no trono de Pedro. Também nós devemos estar sempre atentos e vigiantes em clima de oração. A oração é a fonte que reanima o projeto de vida segundo a vontade do Pai; a vigilância impede que a gente se torne inconsciente diante das situações.
Minha terça feira de carnaval iniciou ainda na madrugada. Rezei em meu quintal, sensibilizado com um vídeo que assisti nas redes digitais, com o Padre Júlio Lancellotti visitando uma das minhas referências de pastoreio: Dom Angélico Sândalo Bernardino. Júlio, sempre atento aos que mais necessitam de cuidados, e o bispo, já idoso, em estado de convalescência. Duas figuras emblemáticas na minha vida. Nunca vou me esquecer, de que foi Dom Angélico quem me ensinou os primeiros passos do meu ministério presbiteral, assim que me ordenei e fui trabalhar, sob o seu comando, na Região de São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo. “O padre cabeludo na caminhada da periferia”, como ele se referia aquele padre iniciante diante daquele pastor “com cheiro das ovelhas”.
“Os últimos serão os primeiros”. (Mc 10,31) Os últimos, primeiro. Esta é a conclusão que chega a narrativa de Marcos, tirando tais palavras da boca de Jesus, que a liturgia nos apresenta como reflexão para a nossa caminhada peregrina neste mundo. Os destinatários primeiros do Reino de Deus são aqueles que são considerados os últimos pela sociedade da época de Jesus e também pela nossa. Para bem entendermos o texto de hoje, e não ficarmos fazendo interpretações aleatórias, precisamos entrar no contexto de época em que esta perícope foi escrita. Isto para não interpretarmos o texto fora de seu contexto. Até porque, texto fora do contexto, é apenas um mero pretexto para justificar as nossas opções equivocadas, quanto ao seguimento de Jesus.
A exegese bíblica faz uso de um termo que muito nos ajuda a entender o texto dentro de seu contexto originário: “Sitz im Leben”. Este é um termo que se refere às circunstâncias em que ocorreu uma frase, uma história ou um determinado gênero textual. Segundo o meu pouco conhecimento bíblico/teológico, este termo nos foi apresentado pelo biblista alemão Hermann Gunkel (1862 – 1932) para seu estudo que ele chama de crítica formal. Ele é considerado o fundador da “Crítica da Forma”.
Sitz im Leben é um termo em exegese bíblica que se refere às circunstâncias em que ocorreu uma frase, uma história ou um gênero textual. Importante também salientar que este é um termo mais restrito que contexto, uma vez que descreve sobre os meios e condições em que um determinado texto foi criado, preservado e transmitido. Lembrando também que cada um dos textos bíblicos trazem implícitos em si o papel social e o momento dos interlocutores, tanto quem o escreve quanto aqueles que estão ouvindo. Assim sendo, esta fala de Jesus no texto de Marcos de hoje, reflete diretamente sobre o contexto em que o Mestre Galileu, viveu a sua atividade pública messiânica na região da Galileia.
Recordando que o texto de hoje vem imediatamente após a fala de Jesus com o jovem rico. Desta maneira, os discípulos ainda estão assustados com a proposta de Jesus para aqueles que quiserem fazer parte da lógica do Reino: abrir mão da riqueza, tendo uma vida de austeridade e partilha. Para Jesus, a proposta do Reino vem em outra direção daquilo que propõe a sociedade do acúmulo, da riqueza e do sucesso pessoa (meritocracia). Na sua forma de organizar a sociedade, o homem sonha possuir liberdade e vida plenas; porém, na sua autossuficiência, ele produz o contrário: escravidão e morte. As relações de fraternidade transformam-se em relações de poder e opressão; a relação de partilha transforma-se em exploração, e esta produz a riqueza de poucos e a pobreza de muitos. Desse modo, as relações ficam distorcidas e quebradas, tanto dos homens entre si, como dos homens com a natureza e com o próprio Deus, que acreditam estar seguindo. Para Jesus, os últimos são os primeiros. Simples assim.
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