Quarta feira da vigésima terceira semana do tempo comum. Setembro, o mês da Bíblia para a Igreja Católica, nos trazendo desta vez o estudo do Livro de Josué: “O Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás” (Js 1,9). Este livro é um compêndio que faz parte dos Livros históricos, que narra os acontecimentos situados entre os séculos XIII e XV a.C.: a conquista e a partilha de Canaã, a Terra Prometida, pelas tribos de Israel. Conquista esta se que resumiu num longo e penoso processo do povo israelita, liderados por Moisés, fugindo dos 400 anos de escravidão no Egito, chegando à Terra Prometida, cumprindo assim a promessa feita por Deus à seu povo.
7 de setembro no Brasil é uma data cívica. Neste dia, a História Oficial comemora o Dia da Independência do Brasil. Uma farsa que se constituiu no Brasil desde 1822, quando um movimento elitista, reuniu em São Paulo para concluir a tal farsa, com o grito as margens do Ipiranga. Tal fato histórico não leva em consideração o amplo processo de lutas populares, desencadeadas por indígenas e negros, contra as atrocidades perpetradas ao longo de todo período colonial brasileiro, inclusive com a presença conivente da Igreja Católica. Situação que foi denunciada por Dom José Maria Pires na Missa dos Quilombos: “No passado, a Igreja não se mostrou suficientemente solidária com a causa dos escravos. Não condenou a escravidão do negro, não denunciou as torturas, não amaldiçoou o pelourinho, não abençoou os quilombos, não excomungou os exércitos que se organizaram para combatê-los e destruí-los. A igreja não estava com os negros”.
No dia de hoje também estamos comemorando o 28º Grito dos Excluídos, que é uma manifestação que ocorre no Brasil desde o ano de 1995, quando o movimento eclesial e popular sai às ruas para exigir dignidade e direitos. Para este ano o lema escolhido é “Brasil: 200 anos de (In)dependência. Para quem?”, com o tema: “Vida em primeiro lugar”. Entre outras reivindicações, o Grito dos excluídos exige “terra”, “teto” e “trabalho”, como forma de dignificar a vida das pessoas mais vulneráveis em nosso país. Como ser independentes se o nosso povo vive uma permanente situação de pobreza e escravidão, enquanto uma elite abastada se locupleta, perpetuando a concentração de renda e a exploração dos pobres? A pobreza existe não porque seja difícil saciar a fome dos pobres. Ao contrário, a pobreza existe pela dificuldade de saciar a ganância dos ricos.
O texto que nos é proposto pela liturgia desta quarta feira nos ajuda aprofundar esta temática. Lucas apresenta para nós as “Bem Aventuranças”. Ao contrário de Mateus que fala apenas da parte considerada “sapiencial” das “Bem Aventuranças” (Mt 5, 3-12), Lucas traz também a parte “profética” destas com a maldição dos ricos: “Ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas“. (Lc 6, 24-26) Uma linguagem dura, como é próprio do profetismo, mas cheia de realidade dita da boca de Jesus, mostrando assim o lado de Deus na história humana. Tem tem um lado, o lado dos pequenos.
Jesus é o porto voz da esperança dos pobres. Ele com sua ação e missão no mundo, mostrou que Deus é partidário dos pobres. Com Ele, a esperança vence o medo na vida dos empobrecidos. Por este motivo, o povo vinha de todas as partes para encontrar-se com Jesus, porque a ação dele fazia nascer a esperança de uma sociedade nova, libertada da alienação e dos males que afligem as pessoas. Estas Bem Aventuranças fazem parte da espinha dorsal de toda a atividade de Jesus. Sua ação no mundo promove uma sociedade justa e fraterna, aberta para a novidade de Deus. Mas para que isto aconteça é preciso libertar os pobres, os famintos, os sem teto, os aflitos e, sobretudo, aqueles que são perseguidos por causa da justiça. “Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu”. (Mt 5,20)
Nós estamos nesta mesma barca com Jesus. Se quisermos fazer parte de seu discipulado, precisamos também assumir as causas dos mais pobres e vulneráveis. Não apenas como discurso, mas através das nossas ações no cotidiano da vida. Neste sentido, estamos prestes a dar um passo importante na nossa vida, no intuito de construção de outra sociedade, outro mundo possível. Teremos a grande chance de passar o nosso país a limpo. Reconstruir o país é a missão de todos, afugentando as forças da morte que se instalaram em nossa nação, através de uma necropolítica de ódio, mentira e morte. Dar um basta nos planos nefastos do inominável e sua corja, e fazer nascer uma nação cujos pequenos tenham vida, voz e vez. O contrário disto é o sangue escorrendo pelas mãos e a conivência com as forças da morte, tramando mais uma vez a morte de Jesus na pessoa dos “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! (Lc 6, 20)
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